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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

domingo, 30 de junho de 2013

Bom dia

            Tenho sonhos confusos, alguns às vezes se repetem. Nesse, eu estou imersa pela água que bate nas paredes de cor margarina do meu quarto que não é meu quarto. Eu estou deitada ou boiando, não sei ao certo, mas sinto a água bater na minha face como uma marolinha. Não chega a assustar, não tenho medo de me afogar, até é reconfortante, a adrenalina pulsa dentro de mim nos litorais da acomodação. Desejo me manter ali, inerte, sendo levada pelo sono profundo e pelo movimento. A limpidez é assustadora, vejo agora meus objetos boiando também, outros mergulhados e tantos outros me rodeando. Entre tudo isso há uma televisão grande que se mantêm no mesmo lugar embora a água faça força para movê-la. Aquela enorme tela tem uma luz grande e um chiado baixo que quase não se escuta. A tela parece ser a casa de vaga-lumes que se mexem sem parar, parecem mais agitados que eu. Nervosos, se batem contra a tela, voam errado, voam estranho, voam baixo. Não sinto meus olhos embora eu tenha visão, não sinto minha consciência, deve estar naufragando com os produtos nessa peça, mas sei que estou pensando.
            A luz é ensurdecedoramente cegante. Os ruídos se intensificam de tempos em tempos que parecem controlados cronologicamente por algo de fora do quarto, ou deste sonho. A água é palpável, mas se esvai de minhas mãos. Me agarro aos entulhos que vão para baixo. Minha tentativa de me apoiar neles é nula. Continuo calma, porém agora respiro profundamente. “O que eu estou fazendo aqui? Isso é um castigo? Se fosse um sonho bom já poderia acabar agora, né? Por que estou imóvel? E essa TV, de onde veio? Pra onde isso vai?”. Isso é tudo o que se passa pela minha cabeça. Me arrisco a dizer que ela ainda está no mesmo lugar. Sinto que um pedaço de mim morre por dentro a cada questionamento. Será que é isso a morte? Mas e ela, vem de um quarto? Não consigo pensar direito, não consigo pensar bem. Como um flash, nas entranhas do meu córtex reluz a minha última indagação. E se minhas sinapses que começam a se ligar entre uma e outra estão certas, isso tudo é apenas um reflexo meu. Olha só, até faz sentido. É como eu sempre me senti durante toda minha vida, sufocada. Evitada pelas multidões e grupos de amigos, desprezada pelos ex-namorados, tendo minha voz abafada pelo som dos socos de meu pai em minha mãe, emaranhada por toda a confusão que a vida criou pra mim. Toda sinergia aplicada em um propósito nulo. É do estrago que vim e ao estrago retorno, meu lar, aonde me adono. O rímel preto começa borrar com a chegada das lágrimas. Meus olhos parecem torneiras que inconscientemente se abrem para encher aquela piscina de lamentações. Meu corpo gélido combinando com a água fria que toca meus seios frágeis e nus. Até eles, sempre foram preterido por outros mais fartos.
A morte não parece tão ruim. Aliás, a morte parece uma saída para um lugar melhor. Qualquer indício me leva ao suicídio coletivo, meu e das minhas memórias. Naquele quarto estão cartas e fotos, calças e moletons, sonhos e esperanças, vivências e tragédias. Nada realmente é como pensamos, nem mesmo a vida. Eu não desejo sonhar essas coisas, mas também não as nego. Volto ao meu travesseiro e o agarro com força. Naquele momento ele é a única coisa a qual eu posso me segurar. Companheiro de noites mal dormidas, de pensamentos vexaminosos, lágrimas e desabafos. Nele eu ponho a cabeça tapando a visão. Fecho os olhos, tudo escuro. Ainda tenho minha audição e ela me diz que a água não desapareceu, assim como a TV. Mesmo sem os olhos abertos, é possível perceber a luz cega e percebo o esforço dos vaga-lumes. Eles não cessam, a luz amedronta, o silêncio dá espaço para pensamentos que se dirigem como facas ao meu estomago emocional. Como dói viver, como dói sentir. Tento imaginar uma situação positiva. Quem sabe de manhã nada disso estará assim? Quem sabe a melancolia me abandonará e as palavras surgirão, empurrando os pensamentos inóspitos para baixo do tapete desse quarto. Quem sabe, ninguém sabe. Me perco para me encontrar, eles me perderam para me ganhar, tudo se esvai para um dia voltar. Como a luz do sol, ao me acordar. Bom dia.

domingo, 23 de junho de 2013

Guerra fria

Sabe o que eu mais odeio nesse mundo? São os analistas. Não analistas de qualquer coisa sabe, de economia, futebol ou de outro assunto. São os analistas da vida alheia. Porra, será que não existe algo mais importante do que examinar o comportamento dos outros e tirar suas próprias conclusões?
Isso era tudo o que eu pensava enquanto caminhava pela rua com minha namorada, sendo perseguido por um grupo de fotógrafos. Eu odeio a mídia. A fama é uma merda. Os holofotes são o reflexo da mentira e disseminação de especulações. Andava com a cabeça baixa, segurando a mão dela e os meus nervos. Tudo o que eu queria era ir até ao seu encontro e golpeá-lo. Não apenas um, mas vários. Embora isso me causasse stress, uma agressão seria como jogar comida aos lobos, uma decisão tola que iria atrair aqueles corvos, famintos por notícias e polêmicas. Era o que eles queriam, seria entregar na mão daqueles tolos o desejado. Modelos causam esse alvoroço. Modelos que namoram com escritores ainda mais. A mídia ama controvérsias, o adverso, contrastes. Exploram isso como as construtoras exploram seus empregados, como as petroleiras exploram a Terra até o seu último resquício de ouro negro, como as madeireiras usufruem de toda a natureza verde. É engraçado isso, ninguém quer se presta a flagrar um político, mas se uma celebridade prefere uma pessoa de classe média para namorar se formam fóruns de grande intelectuais que sabem todos os detalhes de sua vida, suas virtudes e morais, seus segredos e princípios, comportamento e hábitos. É de invejar a forma com que os humanos procuram decifrar os outros ao invés de compreendê-los. Nenhum outro animal faz isso, e ainda nos dizemos racionais. O pior de tudo não é isso, mas sim que existe um conflito. Somos grandes pensadores: se achamos que entendemos uma pessoa, podemos entender todas as outras. Neruda, autor da frase “cada persona és um mundo”, ficaria aterrorizado com tais poetas, entendedores do mundo, e por que não do universo, já que essa galáxia é muito pequena para o pensamento grande de tais filósofos.
A cada passo, um flash, a cada movimento, um click. Os passos apressados resultavam em algo parecido com uma corrida. Era uma corrida contra o tempo, contra esses inimigos de nossa intimidade. Porque fui me envolver com uma pessoa famosa? Porque celebridades são tratadas como semideuses que não rotina, que não fazem coisas comuns como ir tomar um café, viajar ou até mesmo ir ao banheiro? Qual o motivo que nos instiga em tanto em tentar descobrir o que os outros fazem e pensam? O que planejam e quais são seus movimentos? É uma guerra fria não dita. É uma guerra onde pessoas não são mortas, mas princípios e morais sim. É uma atitude de revide; você me julga, eu te atinjo, eu não lhe dou paz, você responderá com guerra. E isso tudo é evolução, e o que vivemos, chamamos de humanidade. Humanidade o caralho, estamos mais sozinhos que nunca. Estamos a espreita, esperando a faca atingir às costas, o revólver ser sacado. O velho oeste no meio de arranha-céus que não nos permitem ver as nuvens.
Mas eu recuei, não fui rude. Posei para a foto com um sorriso. Nos sentamos na mesa ainda sendo vigiados pelos outros, com fotos sendo tiradas de ambos ali, naquele estabelecimento simples, mas cômodo e com calefação, nada melhor no inverno. Ficamos ali. Eles iriam aguentar uma ou duas horas, seria um teste de paciência. No fim, vencemos

domingo, 16 de junho de 2013

Timming perfeito

            Nunca fui bom e nem mesmo soube estar no lugar certo e na hora certa. Em algumas ocasiões estive na hora certa, mas no lugar errado e vice-versa. Não é de meu feitio acertar a ocasião ou aproveitar a oportunidade. Não sei, sou meio errado, meio errante. Poucas foram as vezes em que me senti integrante de algo, como se aquilo fosse a extensão da minha existência. Felizmente, estou presenciando o aparecimento desse sentimento. A sensação de se sentir parte de algo maior.
            Os últimos acontecimentos têm ajudado nisso. Estamos vivendo uma semana histórica, de resgate de identidade como país. Este é um momento célebre em que vemos todos os cantos do Brasil se manifestando, exigindo seus direitos e saindo para a rua. Somos privilegiados por estarmos presenciando tudo isso, com acesso a informações que só podemos ver na Internet. Veja bem, minha ideia aqui não é fazer nenhum texto de manifestação ou convocação para sairmos para a rua, mas não devemos deixar impune isso, é de se comemorar algo que há tempos não ocorria. E mais do que isso, precisamos ter cuidado: não se pode fazer com que isso seja fogo de palha, que se apague assim de uma hora para outra. Sei também que o assunto está meio saturado, mas não há como não escrever sobre quando todo o país se volta para isso.
            Infelizmente deixei de ir ao protesto contra Feliciano. Fiquei em casa com aquele sentimento de que podia estar fazendo mais. Podia estar no olho do furacão. Não fui por pequenos detalhes, e sim, me deixa constrangido. Deveria ter ido, tanto como cidadão quanto como jovem que está procurando modificar a sociedade. Ao menos temos a internet, e embora alguns digam, acho que o mínimo que podemos fazer é compartilhar essas informações, partilhar com os outros o que vimos, lemos, pensamos. Não sou hipócrita também, não acho que iremos mudar o Brasil de uma hora para outra. São mais de 500 anos de exploração, o povo necessita mudar hábitos para então mudar mentalidade. Porém a tentativa é válida e necessária. Se não fizermos agora, perto de uma Copa onde toda atenção está voltada para cá, quando faremos? Deixamos de sonhar por muito tempo, nos tornamos escravos do cotidiano, resignados, inertes.
            Para muitos isso pode ser mais um texto, mas para mim não é. Para mim, essa semana está sendo de fervor interior como se algo a mais pulsasse por dentro. E eu espero sim, deixar de lado algumas coisas, alguns medos e alguma omissão. Espero acompanhar isso por muito tempo e ser parte também, fazer por valer isso, não perder o tempo certo, estar no lugar correto. Quero deixar para trás esse timming quase sempre mal calculado meu, e aí verás que um filho teu não foge a luta.

domingo, 9 de junho de 2013

Galera

Eu o olhei com certo receio e nem cheguei a cumprimenta-lo com um aperto de mão.  Ele mais me parecia um integrante do Los Hermanos, mas mesmo assim me tocou de uma forma estranha. E um homem adulto que assim como eu introspectivo e calmo me deu certo conforto. Eu mal o conhecia, tampouco havia lido algo dele. Mas eu estava entusiasmado, já tinha ouvido falar seu nome no jornal, alguma revista, não era um total ignorante no caso. Durante a entrevista me atrapalhei todo. Me atrapalhei ainda mais depois de sua resposta derrubar a minha pergunta. A maioria dos entrevistados procura não entrar em detalhes com um jovem repórter. Ele disse ali e simplesmente me mostrou coisas que depois de algum tempo fui perceber como acontecem.
Daniel Galera fez eu me apaixonar pela literatura. Se antes já escrevia, depois de ler suas obras me tornei um fã e escritor melhor. Não, não sou um escritor pronto, muito menos perto disso, mas me toquei da dimensão da escrita. Não é simplesmente escrever algo e acreditar que aquilo está bom. Eu me cobro, eu refaço, mudo palavras, pesquiso, penso. 90% do tempo em que não estou falando, estou pensando no que escrever. Os 10% restante são falas que me fazem repensar em algo para ser escrito. É triste que a literatura não seja vista como algo imprescindível aqui em nosso país, não está na nossa cultura. E sim, eu sei que o campo literário é difícil. Provavelmente vou ganhar pouco, ter o mesmo visual dele, com barba para fazer e cabelo bagunçado, porém é isso que quero. Sinto que nasci para isso como se fosse o presidiário que está condenado somente a aquilo. Não me resta nada mais além de escrever.
Não sei fazer cálculos, existem pessoas que fazem cálculos científicos em 10 minutos. A única coisa que consigo fazer bem é isso. Não diria que é um dom, mas não há nada que eu consiga fazer tão bem quanto, nada me atrai, nada me deixa mais compenetrado do que o hábito de juntar palavras e fazer um texto. São estórias dentro de mim, são personagens que habitam o interior da minha mente com detalhes ricos embora não os conheça até pegar a caneta. É difícil às vezes, mas sempre sai algo bom. É como o parto de uma criança, é dar vida a um texto, dar vida a algo que está dentro de você. Às vezes dói, como um nascimento. São dores físicas, espirituais, é retirar toda tristeza de você e por em um papel.
Novamente me pego na dúvida. Não sei se chegarei a escrever, muito menos se me tornarei o que espero e projeto, embora tenha colocado entre meus objetivos lutar para que isso ocorra. E é a mais nobre das profissões. Nossos ancestrais já o faziam em cavernas em forma de desenhos. A narrativa está presente desde que descobrimos o fogo. Minha única alternativa é fazer como eles e narrar tudo aquilo que se passa dentro de mim.

Profundezas

            Alguns amigos que fiz na vida adulta são tão imaginários quanto os que criei durante a infância. Vivi romances tão fantasiosos quantos os de novelas e filmes. Fui cercado de pessoas que nunca me deixaram marcas, assim como o vento, em um sopro se dissiparam como minúsculas partículas. Durante toda minha trajetória, não houve algo que eu pudesse chamar de meu, e é de fato, que a partir disso comecei a colecionar vazios. Minha irmã tinha uma enorme coleção de pequenos brindes que ganhava naquela antiga promoção da Coca-Cola. Tratava todos como se fossem feitos de um vidro frágil, prestes a quebrar. Assim como ela, mantinha cuidado semelhante com meus silêncios e vazios.
            É engraçado que esses ditos cujos me marcaram muito mais do que surra por mal comportamento. Eram mais visíveis que o couro em detalhes no meu corpo, me agradava mais do que qualquer beijo inesquecível com sabor inefável que recebi. Silêncios me moldaram muito mais que o comportamento de meus pais. Quando se é pequeno, qualquer adulto mais próximo se torna referência, porém podemos dizer que sou uma exceção.
            Às vezes ao observar a selva de concreto com suas luzes cintilantes, os arranha-céus em meio as árvores que cada vez mais se parecem cinzas, como se tornassem parte dos prédios, sou tomado por um medo descomunal. Um mergulho às minhas profundezas onde não existe volta. É atemporal, é de tirar o fôlego, algo que me preenche por inteiro. Vem com um tom agridoce de surpresa e azedume melancólico quando se esvai pelas minhas mãos. Me faz bem, me faz mal, um misto de perigo e aventura, é como degustar incerteza, a vertigem de uma queda sem precedentes.
            Me questiono se não sou de outro mundo. Às vezes tenho quase certeza de que sou de outro mundo, às vezes acredito que existe outro mundo em mim. Neruda com certeza concordaria comigo. 

(Posto duas vezes hoje pois semana passada não consegui)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Redenção


Parque Farroupilha, codinome Redenção. O mais tradicional e popular parque dos gaúchos onde diversas culturas ali se encontra assim como as mais variadas pessoas. Da grama tão verde ao vendedor mais antigo de relíquias inesperadas, da água que jorra do chafariz, passando pelo brique. No meio de tudo, você. No meio do parque, encontrei minha redenção. No meio de um domingo, você o enfeitou. Com sua voz suave, olhos verdes como a grama que cerca a Fonte Francesa, olhos tão atentos, olhos e coração tão serenos. Ainda que odeie lugares lotados, odeie enfrentar o trânsito de pessoas que parecem moribundas ao andar em uma marcha fúnebre, dividindo espaço entre as inúmeras tentas que aglomeram aqueles que procuram algo. Ali alguns esperavam achar um presente, outros um motivo para fazer o domingo valer a pena. Eu apenas esperava conseguir um bom tempo para desperdiçar com você. Em meio ao sol porto alegrense, em meio ao céu anil sem nuvens.
Estava eu em uma caminhada, deixando de lado meus sentimentos lúgubres, escanteando qualquer desconfiança, dando lugar a uma nova escrita daquela que parece ser a mais bela história de amor que foi pintada em minha vida. Ao me livrar de tudo isso dei lugar a redenção. A redenção de todos os pecados que antes cometi, a remição dos meus erros e decepções, da tristeza lacônica e as incertezas do futuro. No meio da Redenção, encontrei minha redenção. Encontrei você. Encontrei minha redenção em você. E tudo isso sem ao menos te ver. Tendo sido leve, sorrateira, acampando ao norte de mim, largando suas bagagens em meio a minha confusão diária, deixando no meio do caminho, entre irresoluções, meus pensamentos nefastos, meu dia a dia preto e branco, com detalhes em cinza.
Redenção de todos os amores póstumos. Redenção de um domingo colorido. E eu levo comigo uma certeza em meio a tudo que me trouxestes: não serei o mesmo. Não terei como te apagar, nem mesmo se fosse Joel*, nem mesmo em mil anos ou mil dias. Nem mesmo minha redenção ficará impune, nada passará em branco. Está escrito.  E tudo começou na Redenção.

*Joel é o personagem de Jim Carrey em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Recomendo o filme.

domingo, 26 de maio de 2013

Diálogos


A claridade invadindo as janelas abertas me despertava para mais um dia.
- Bom dia, senhor. – Dizia ele, com seu bom humor costumeiro, embalado por um sorriso calmo. Trazia na bandeja meu desjejum, embora soubesse que quase não como devido ao meu enjoo matutino. Analisei os pratos, colheres, garfos e os alimentos, pães, salgados e leite.
- Temo que irei recusar outra vez, mas obrigado mesmo assim.
- Como quiser senhor, mas se me permites dizer, deverias comer.
Eu sabia que estávamos embarcando em um carro que faz o mesmo trajeto, para nos mesmos pontos e não chegando a lugar algum. Sabia que ele argumentaria sobre a minha saúde e a forma com que tenho tratado ela. Me daria um sermão, mesmo eu sendo um adulto já. Diria coisas que eu já tinha conhecimento, mas preferia que continuassem verdades ocultas. Por trás dessa fortaleza, nessa casa confortável, as paredes brancas brandeavam que eu saísse, nem que fossem 15 minutos. Estavam cansadas de ver meu rosto cada vez mais pobre de expressões, desanimadas em não receber companhia que não fosse a minha.
- Olhe sir, você deveria sair, tomar um ar fresco. Fará um mês em breve que o senhor não sai de casa. E não se esqueça, eu sei que o senhor também não anda tomando banho. O que acontece-
Eu o interrompi. Não precisava ouvir aquilo tudo novamente, mas dessa vez, éramos peças num tabuleiro de xadrez, e eu acabava de errar a jogada que daria a ele a sua vitória. Checkmate.
- Não, ouça você. Eu sei que as coisas acabaram mal, mas você precisa ressurgir. Eu sei muito bem o que acontece com os homens bons. Eles se calam. Isso não é uma atitude muito boa. E eu sei que desde o momento em que olhei em seus olhos e ouvi seu choro ecoar por esses corredores de que o senhor tinha uma boa alma. Se o senhor fosse tão ruim quanto pensa, não passaria os últimos quatro anos como um eremita que se refugia em sua casa, se protegendo do mundo que o decepcionou. Não teria ficado tão triste com a falta de bondade das pessoas que renunciaria do convívio diário com a sociedade. Senhor, o senhor é uma boa pessoa. E daí se o mundo o feriu? Vamos lá, faça como seu pai; se levante! É hora de deixar esses arrependimentos para trás. Não é por que o mundo lhe feriu que você deva abster-se de viver. Viva um pouco. Volte. Ressurja. 

domingo, 19 de maio de 2013

Rascunhos


Estava lendo esses dias o livro de poesias de Fabrício Carpinejar, Caixa de Sapatos, e acabei rascunhando algumas coisas. Não sei se são poemas, poesias, versos ou apenas frases soltas que vagavam pela minha mente.
No domingo que vem trago o capítulo final À Sangue frio. Enquanto isso fique com esses rascunhos amadores.


Sensações

É horrível.
Essa sensação, sabe?
Mundos se partindo, 
ligações se rompendo,
tintas descolorindo,
amor sendo derramado
em forma de sangue.

No meio

É a minha insônia.
Cansado demais para dormir,
inquieto demais para conseguir pensar,
transtornado demais para desistir.
Estamos no meio do nada, no meio do incerto,
do inimaginável, das situações impensadas,
dos momentos improváveis.

Lados

Onde ficara aquele amor que tu me deu?
Qual foi o vento que levou suas palavras? 
Por que ódio e amor são separados por uma linha tão tênue?
Estamos em uma batalha campal,
lutando por nossas almas,
protegendo nossos corações contra outras decepções.
Já abrigamos muitos arrependimentos passados,
já deixamos meio mundo de lado.
De qual lado você está?


Orvalho

Me perdi totalmente ao te encontrar.
Me perdi totalmente por te encontrar.
Só me resta rastejar e descansar nesse orvalho,
esperando pelo crepúsculo surgir 
extenuando minha escuridão.

Crença

Estou no meio de uma guerra química.
Estamos lutando por uma convicção jogada aos quatro ventos.
Estamos lutando por acreditar.
Essa é a nossa fome.

Habitat Natural

Está tudo saindo do meu controle.
Tudo está escapando pelas minhas mãos.
Menos meu vazio.
A gravidade me põe para baixo.
É abaixo do solo o meu habitat natural.
É entre minhas sombras
e dentro delas que eu me perco, e me acho.

domingo, 12 de maio de 2013

À sangue frio IV



O vidro embaçava com a respiração de Mari, era o seu temor à mostra. Não poderia negar que era uma situação desconfortável, mas não chegava a ser medo, apesar da ideia de passar o resto da minha vida na cadeia não agradasse em nada. Andávamos em velocidade baixa, com os olhos bem abertos e atentos como os de um gavião, procurando qualquer vestígio de policiais, que naquele momento deviam estar adentrando nosso pequeno apartamento, revistando gavetas, procurando provas, detalhes que podiam dizer para onde iríamos. Trocamos poucas palavras, aquele pavor permanecia no ar como uma nuvem densa e cinzenta. Procurávamos ser discretos, mesmo assim, sabia que em algum momento teria que parar – eu ainda sangrava muito -, o problema seria onde ficaríamos. Nenhum lugar era seguro. Provavelmente teríamos que abastecer, ou seja, era a hora de aproveitar para pegar alguns mantimentos. Tudo isso teria que ser rápido, estaríamos nas TV’s, nas estações de rádio e em tudo mais que possa se imaginar. Além do mais, ninguém deixaria de notar um cara branco de 1,85 sangrando.
Desbravar aquelas ruas desertas e inóspitas era um desafio. Qualquer movimento me deixava tenso. Meus olhos fixos no semáforo que teimava em não acender a luz verde. O vermelho predominou por instantes que pareciam décadas. O mesmo vermelho do sangue derramado que originou tudo isso. O mesmo vermelho que saía do buraco em que a bala entrou. O vermelho de morte prevalecia. A respiração rápida de Mariana, o suor escorrendo por minha testa, o silêncio mortal, como se nossas palavras fossem armas. Tudo o que eu queria era desaparecer dali, mas a sinaleira teimava em demorar. Foda-se, arranquei cantando pneu, lembrando a época em que pegava o carro do meu pai escondido. Involuntariamente fui aumentando a velocidade, quando me dei conta, tinha passado dos 100 kms/h. Merda, era provável que  tivesse passado por algum pardal nesse período. Mariana deveria ter me avisado, mas ela não estava com o pensamento ali. Não poderia culpa-la, quem mais tomaria a tola decisão de estar ao meu lado a não ser ela? Em seus planos, provavelmente as cordilheiras da Patagônia eram o lugar perfeito para se refugiar. Eu concordava com ela, o problema seria chegar até lá. A neve tocando nossos rostos, seus cabelos morenos, uma cabana no meio da natureza e nada mais. Fiz um afago em sua perna trêmula, ela respondeu com um sorriso tímido. Em seu olho havia lágrimas, esperando o mínimo movimento para brotar. O rímel borrado, a orelha sem brincos e o cabelo despenteado. Sorri de volta, era o mínimo que podia fazer. Ela nunca pensou que se envolveria com um babaca assim. Provavelmente seu pensamento era criar uma família e cuidar do lar, eu estava providenciando emoções que ela nunca esboçou pensar. Um tiroteio, agressões, sangue, deixaríamos tudo isso para trás.
O carro aguentaria a viagem, ainda tínhamos combustível o bastante. A patrulha chegaria em alguns minutos, os policiais tomaria a cidade e suas saídas em pouco tempo. Eu não queria dizer nada para Mari, mas morreríamos ali mesmo. Morreríamos sem nem chegar perto da linha de chegada. Gostaria de dizer algumas coisas para ela, garanto que ela também gostaria de fazer o mesmo. Queria poder dizer que desde a primeira vez que a encontrei, nunca mais reparei em outra pessoa. Eu devia ser a maior decepção de sua vida, mas ela não sabe o quão duro eu dei para chegar a esse nível, o quanto eu batalhei para me tornar um babaca de primeira, um mau agouro na vida dos outros, símbolo de azar e fracasso por onde eu passo, a ovelha negra da minha família e de qualquer grupo que eu fiz parte. Ela era paciente e eu amava isso nela. Nunca mais iria vê-la fazer coisas que me encantam, como o simples fato dela ajeitar a mesa para as refeições, ou a forma com que ela ajeitava o cabelo. Isso me fazia sorrir, e lá estava eu sorrindo em uma situação de desespero descomunal, catatônico. Eu ali olhando para nossas alianças e me relembrando de uma frase do seu escritor favorito. Como era mesmo? “Formalizar o namoro é trocar um medo por outro. Antes tinha o medo de que ele não estivesse apaixonado, agora tem o medo de ser abandonada. A insegurança é eterna, quem tem certeza, não ama mais”. Nisso, ela me olha com cara de espanto, talvez nojo pelo seu sorriso despojado. Essa garota nunca me entendeu.
- Você é louco sabia? – disse ela, em um surto de raiva. – Vamos morrer aqui e tu sorri? Deus, como você é babaca.
- Meu bem – eu tentei argumentar -, você esperava algum final diferente desse?
            Ao acabar a frase pude ver pelo retrovisor as luzes azul e vermelhas preenchendo o fundo. Era o início da tão esperada caçada. Eles não desistiriam, como cães que farejam drogas, como lobos que procuram suas presas na neve, como os leões nos safaris africanos.
Fui acelerando ainda mais. Os meus batimentos cardíacos acompanhavam a subida de velocidade, assim como o choro quase compulsivo de minha namorada. O fundo estava sendo pintado por cores azuis e vermelhas, das luzes de viaturas que chegavam cada vez mais próximos do carro. Nada mais importaria daquele momento em diante. Era uma questão de tempo para ruas serem fechadas, barreiras colocadas e tiros serem disparados. Tudo é uma questão de tempo, tudo passa muito devagar, embora os instantes deslizem vagarosamente como uma Aranha desliza da sua teia, sem pressa alguma para saborear a presa, como os ritos antigos, em seitas onde uns devoram os outros. Seria assim, só que os tempos eram outros, assim como as armas se aperfeiçoaram. A única coisa que nunca mudou foi o fato da humanidade tentar acabar com o seu próximo. Das cavernas, com pedras e paus até os edifícios altos e as bombas atômicas, o instinto humano de entrar em conflito com o seu semelhante. E aqueles homens, eles iriam me cozinhar vivo. Eles fariam de tudo e me perseguiriam até os confins da Terra para me achar.Respirei fundo e troquei de faixa. Estava agora na contra-mão, como um furacão, todos os carros se afastando ou procurando desviar daquele tornado cinza. Era um movimento preciso. Era necessário ir contra tudo aquilo ali, era necessário arriscar. As estatísticas diriam que existiam mais de 90% de chances de bater o carro ou perder o controle da direção. Naquele momento eu não estava mais pensando. Eu estava apenas dirigindo, indo contra a correnteza como um peixe na sua árdua subida até a cabeceira dos rios para reproduzir. Ao contrário dos peixes, eu não estava buscando a vida e sim a morte. Seria uma bela morte ali. Seria como eu via na TV aquelas perseguições entre bandidos e bonzinhos. Quando você chega à fase adulta da vida percebe que não há grande diferença entre um e outro, nem tudo é tão claro e a maioria das coisas é cinza nesse mundo preto e branco. Quando se vira adulto, se percebe tantas coisas que antes a olho nu não eram perceptíveis. Muitas coisas mudam, mas nem tudo fica irreconhecível. Diante de nós apenas algo permanece imutável: o medo da morte. Algo que estava ignorando até aquele momento quando fui despertado de meu transe pelos gritos histéricos de Mariana. Eu não conseguia entender bem quais eram os xingamentos e palavras ditas. Apenas me lembro de olhar para seu rosto em desespero e voltar os olhos à estrada. Foi quando encontrei um obstáculo. Esse sim era imóvel, aquele carro branco não desviaria, estava fugindo contra a regra. Era apenas esperar pelo embate, pelo baque. Bateríamos.

domingo, 5 de maio de 2013

À sangue frio (parte III)




Sabe aquelas cenas de pancadaria generalizada que rolam enquanto toca uma música clássica no fundo? Essa era a situação, algo parecido com a Abertura 1812 de Tchaikovsky. Digno de filme, onde socos são trocados, balas voam por todo o lugar e aquela música, é o oposto do momento. Estava acontecendo ali, estava parecendo um filme, era a violência na sua forma mais bruta.
Começou com a intimação sem direito a resposta. Me colocaram na viatura e iam trafegando até a delegacia. Os cinco quarteirões mais demorados da minha vida. Deu tempo de repensar o porque de ter agredido Jordana, como as coisas seriam dali pra frente e em como o meu comportamento sempre esteve condicionado para esse tipo de fim. Não, não me arrependo em nada, acho que o ser humano de vez em quando precisa desse tipo de catarse, sabe? Ao menos que seja a possibilidade de jogar tudo pra cima e limpar a alma, as impurezas e sentimentos ruins. Existem pessoas que dizem que precisamos ser ruins às vezes para ver o quão bom somos. Eu acredito nisso. Inclusive, acredito que sou uma prova viva de tal teoria. Não é necessariamente ter que ser, ou ser por natureza, a questão principal é que a realidade nos molda e joga contra a grade. É a nossa forma de revide. Liberar os demônios é necessário, eventualmente porque vivemos em um cotidiano fodido. Ou você bate, ou você apanha.
Entre todos esses dilemas, só me passava pela cabeça de que eu não precisava daquilo tudo. Eu não preciso respeitar tais leis, eu não vivo por elas, muito menos dentro delas. Uma coisa que eu nunca consegui, foi aguentar o fato de algo ou alguém me controlar. Isso me tirava do sério. Eu não sei aceitar as armadilhas do acaso, sempre fui assim: solitário e renegado, sem leis pra cumprir, sem amarras para me prender, nunca fui refém de nada, nem dos meus sentimentos, nem das minhas palavras. Naquele caso, eu era dos meus atos. Acho que fracassei em tentar viver minha vida toda em um piloto automático, muito mais em tentar deixar tais marcas do passado escondidas. Essas cicatrizes eram bem visíveis, eu era um anti-herói, e nada melhor do que uma surra nos porcos para provar a minha verdadeira natureza.
O dia não tinha começado bem e nem iria terminar assim. Não teria como, afinal, ao final da quinta quadra eu saquei a arma, acertando o condutor. Sim, eu sei, foi uma ideia idiota. O carro perdeu o controle, sem falar que o outro tira se virou e veio me golpear. Burro, poderia ter usado sua arma, embora em seguida ele tenha se lembrado dela. O vidro que nos separava já tinha se tornado em estilhaços que estavam no chão do veículo. Trocamos socos, num combate de igual para igual. Eu podia ver o seu medo, o seu despreparo. Provavelmente nunca tinha presenciado uma experiência de tal risco, e eu usaria essa fraqueza a meu favor. Eu faria dela a minha arma. Num impulso, ele simplesmente pulou para o banco de trás como se fosse um leão em busca da sua refeição. Naquele momento éramos animais dentro de um carro desgovernado. Poderíamos estar sendo vistos por outras pessoas, a viatura poderia estar caindo em um barranco ou indo para a direção oposta, cruzando a linha que separa as faixas, mas nada mais importava. Era o seu medo contra a minha ira, os seus 1,89 cm contra os meus 1,85, a sua inexperiência contra o meu instinto assassino. Entre golpes e socos, pontapés e cotovelos, estávamos ali, armados. Esperando o golpe final. Ele sabia que era uma luta desigual, e quando percebeu isso resolveu apelar para o seu trunfo. Não houve tempo para pensar. Aqueles segundos que nos separavam. Foi suficiente apenas para trocarmos um olhar que exibia a nossa vontade de viver, a luta pela sobrevivência, pela supremacia. Eu nasci para matar, eu fui a esse mundo com esse objetivo, aquilo seria mais do que comum, ao contrário do policial, aquele paladino da justiça que ia a contramão do que sou. Eu iria mata-lo, eu acabaria com sua vida, honrando o que meu pai sempre disse. A sangue-frio. Filhos e esposa chorariam, suas expectativas e sonhos morreriam com ele, sua tão sonhada aposentadoria em uma praia nativa ficaria para outra vida. Sacamos as armas ao mesmo tempo como em um velho faroeste onde os cowboys se enfrentam, em que os momentos de tensão contrastam com o vento calmo e o chão árido, com areia. Seu tiro acertou meu estômago, o meu soco o fez desabar, e quando segurei sua cabeça entre minhas pernas apontei para a sua cabeça. Em cheio. Sangue para todo lado. Estava no baco, nas minhas roupas, na minha barba, em meu rosto. Joguei o corpo para o lado. Aquele projétil deveria ter no máximo 1, 2 kgs, mas pesava uma tonelada. Naquele estado, debilitado, foram precisos minutos até arranjar forças e sair dali.
O dia de fúria estava longe de terminar. Atirei o corpo para fora e me sentei no lugar do condutor. Coloquei o cinto e com uma mão segurava o volante e a outra pressionava o local atingido. Era preciso chegar em casa, explicar para Mariana o que aconteceu e sair, para o mais longe possível. Ela deveria estar desenhando, fazia desenho industrial. Provavelmente me veria e entraria em pânico. Odiava brigas e sangue. Seria horrível enxergar seu medo e provocar nela aquele alvoroço todo, mas era necessário. O pior seria ter que partir. Com ou sem ela. Os tiras viriam. Em maior número. Sedentos, em uma jornada interminável. Era questão de justiça para eles, e não hesitariam em fazer com as próprias mãos, ou com suas balas.
Cambaleando, arrastando as pernas, juntando todas as forças para chegar em casa. Aqueles degraus pareciam enormes muralhas a serem percorridas. Eu iria chegar, pensava. Minha visão turva me contradizia. Balbuciei algumas palavras, que deviam ser o nome de Mariana. Desmaiei. Não sei por quanto tempo, mas fui acordado com seus gritos histéricos. Havia perdido muito sangue, mas mais ainda seria derramado ao entardecer. O momento de partida havia chegado. Eu seria refém daquele crime, perturbado em meus sonhos pelos olhos sem vida daquele vigilante, da surra em Jordana, do descontentamento dos meus pais ao saber que era procurado pela polícia. Penso na minha namorada, que desgosto se envolver com um assassino, mas ela poderia partir. Seria apenas eu contra o mundo. Seria, se ela não optasse por estar ao meu lado. Seríamos reféns, dos nossos erros, de nós mesmos.