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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Redenção


Parque Farroupilha, codinome Redenção. O mais tradicional e popular parque dos gaúchos onde diversas culturas ali se encontra assim como as mais variadas pessoas. Da grama tão verde ao vendedor mais antigo de relíquias inesperadas, da água que jorra do chafariz, passando pelo brique. No meio de tudo, você. No meio do parque, encontrei minha redenção. No meio de um domingo, você o enfeitou. Com sua voz suave, olhos verdes como a grama que cerca a Fonte Francesa, olhos tão atentos, olhos e coração tão serenos. Ainda que odeie lugares lotados, odeie enfrentar o trânsito de pessoas que parecem moribundas ao andar em uma marcha fúnebre, dividindo espaço entre as inúmeras tentas que aglomeram aqueles que procuram algo. Ali alguns esperavam achar um presente, outros um motivo para fazer o domingo valer a pena. Eu apenas esperava conseguir um bom tempo para desperdiçar com você. Em meio ao sol porto alegrense, em meio ao céu anil sem nuvens.
Estava eu em uma caminhada, deixando de lado meus sentimentos lúgubres, escanteando qualquer desconfiança, dando lugar a uma nova escrita daquela que parece ser a mais bela história de amor que foi pintada em minha vida. Ao me livrar de tudo isso dei lugar a redenção. A redenção de todos os pecados que antes cometi, a remição dos meus erros e decepções, da tristeza lacônica e as incertezas do futuro. No meio da Redenção, encontrei minha redenção. Encontrei você. Encontrei minha redenção em você. E tudo isso sem ao menos te ver. Tendo sido leve, sorrateira, acampando ao norte de mim, largando suas bagagens em meio a minha confusão diária, deixando no meio do caminho, entre irresoluções, meus pensamentos nefastos, meu dia a dia preto e branco, com detalhes em cinza.
Redenção de todos os amores póstumos. Redenção de um domingo colorido. E eu levo comigo uma certeza em meio a tudo que me trouxestes: não serei o mesmo. Não terei como te apagar, nem mesmo se fosse Joel*, nem mesmo em mil anos ou mil dias. Nem mesmo minha redenção ficará impune, nada passará em branco. Está escrito.  E tudo começou na Redenção.

*Joel é o personagem de Jim Carrey em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Recomendo o filme.

domingo, 26 de maio de 2013

Diálogos


A claridade invadindo as janelas abertas me despertava para mais um dia.
- Bom dia, senhor. – Dizia ele, com seu bom humor costumeiro, embalado por um sorriso calmo. Trazia na bandeja meu desjejum, embora soubesse que quase não como devido ao meu enjoo matutino. Analisei os pratos, colheres, garfos e os alimentos, pães, salgados e leite.
- Temo que irei recusar outra vez, mas obrigado mesmo assim.
- Como quiser senhor, mas se me permites dizer, deverias comer.
Eu sabia que estávamos embarcando em um carro que faz o mesmo trajeto, para nos mesmos pontos e não chegando a lugar algum. Sabia que ele argumentaria sobre a minha saúde e a forma com que tenho tratado ela. Me daria um sermão, mesmo eu sendo um adulto já. Diria coisas que eu já tinha conhecimento, mas preferia que continuassem verdades ocultas. Por trás dessa fortaleza, nessa casa confortável, as paredes brancas brandeavam que eu saísse, nem que fossem 15 minutos. Estavam cansadas de ver meu rosto cada vez mais pobre de expressões, desanimadas em não receber companhia que não fosse a minha.
- Olhe sir, você deveria sair, tomar um ar fresco. Fará um mês em breve que o senhor não sai de casa. E não se esqueça, eu sei que o senhor também não anda tomando banho. O que acontece-
Eu o interrompi. Não precisava ouvir aquilo tudo novamente, mas dessa vez, éramos peças num tabuleiro de xadrez, e eu acabava de errar a jogada que daria a ele a sua vitória. Checkmate.
- Não, ouça você. Eu sei que as coisas acabaram mal, mas você precisa ressurgir. Eu sei muito bem o que acontece com os homens bons. Eles se calam. Isso não é uma atitude muito boa. E eu sei que desde o momento em que olhei em seus olhos e ouvi seu choro ecoar por esses corredores de que o senhor tinha uma boa alma. Se o senhor fosse tão ruim quanto pensa, não passaria os últimos quatro anos como um eremita que se refugia em sua casa, se protegendo do mundo que o decepcionou. Não teria ficado tão triste com a falta de bondade das pessoas que renunciaria do convívio diário com a sociedade. Senhor, o senhor é uma boa pessoa. E daí se o mundo o feriu? Vamos lá, faça como seu pai; se levante! É hora de deixar esses arrependimentos para trás. Não é por que o mundo lhe feriu que você deva abster-se de viver. Viva um pouco. Volte. Ressurja. 

domingo, 19 de maio de 2013

Rascunhos


Estava lendo esses dias o livro de poesias de Fabrício Carpinejar, Caixa de Sapatos, e acabei rascunhando algumas coisas. Não sei se são poemas, poesias, versos ou apenas frases soltas que vagavam pela minha mente.
No domingo que vem trago o capítulo final À Sangue frio. Enquanto isso fique com esses rascunhos amadores.


Sensações

É horrível.
Essa sensação, sabe?
Mundos se partindo, 
ligações se rompendo,
tintas descolorindo,
amor sendo derramado
em forma de sangue.

No meio

É a minha insônia.
Cansado demais para dormir,
inquieto demais para conseguir pensar,
transtornado demais para desistir.
Estamos no meio do nada, no meio do incerto,
do inimaginável, das situações impensadas,
dos momentos improváveis.

Lados

Onde ficara aquele amor que tu me deu?
Qual foi o vento que levou suas palavras? 
Por que ódio e amor são separados por uma linha tão tênue?
Estamos em uma batalha campal,
lutando por nossas almas,
protegendo nossos corações contra outras decepções.
Já abrigamos muitos arrependimentos passados,
já deixamos meio mundo de lado.
De qual lado você está?


Orvalho

Me perdi totalmente ao te encontrar.
Me perdi totalmente por te encontrar.
Só me resta rastejar e descansar nesse orvalho,
esperando pelo crepúsculo surgir 
extenuando minha escuridão.

Crença

Estou no meio de uma guerra química.
Estamos lutando por uma convicção jogada aos quatro ventos.
Estamos lutando por acreditar.
Essa é a nossa fome.

Habitat Natural

Está tudo saindo do meu controle.
Tudo está escapando pelas minhas mãos.
Menos meu vazio.
A gravidade me põe para baixo.
É abaixo do solo o meu habitat natural.
É entre minhas sombras
e dentro delas que eu me perco, e me acho.

domingo, 12 de maio de 2013

À sangue frio IV



O vidro embaçava com a respiração de Mari, era o seu temor à mostra. Não poderia negar que era uma situação desconfortável, mas não chegava a ser medo, apesar da ideia de passar o resto da minha vida na cadeia não agradasse em nada. Andávamos em velocidade baixa, com os olhos bem abertos e atentos como os de um gavião, procurando qualquer vestígio de policiais, que naquele momento deviam estar adentrando nosso pequeno apartamento, revistando gavetas, procurando provas, detalhes que podiam dizer para onde iríamos. Trocamos poucas palavras, aquele pavor permanecia no ar como uma nuvem densa e cinzenta. Procurávamos ser discretos, mesmo assim, sabia que em algum momento teria que parar – eu ainda sangrava muito -, o problema seria onde ficaríamos. Nenhum lugar era seguro. Provavelmente teríamos que abastecer, ou seja, era a hora de aproveitar para pegar alguns mantimentos. Tudo isso teria que ser rápido, estaríamos nas TV’s, nas estações de rádio e em tudo mais que possa se imaginar. Além do mais, ninguém deixaria de notar um cara branco de 1,85 sangrando.
Desbravar aquelas ruas desertas e inóspitas era um desafio. Qualquer movimento me deixava tenso. Meus olhos fixos no semáforo que teimava em não acender a luz verde. O vermelho predominou por instantes que pareciam décadas. O mesmo vermelho do sangue derramado que originou tudo isso. O mesmo vermelho que saía do buraco em que a bala entrou. O vermelho de morte prevalecia. A respiração rápida de Mariana, o suor escorrendo por minha testa, o silêncio mortal, como se nossas palavras fossem armas. Tudo o que eu queria era desaparecer dali, mas a sinaleira teimava em demorar. Foda-se, arranquei cantando pneu, lembrando a época em que pegava o carro do meu pai escondido. Involuntariamente fui aumentando a velocidade, quando me dei conta, tinha passado dos 100 kms/h. Merda, era provável que  tivesse passado por algum pardal nesse período. Mariana deveria ter me avisado, mas ela não estava com o pensamento ali. Não poderia culpa-la, quem mais tomaria a tola decisão de estar ao meu lado a não ser ela? Em seus planos, provavelmente as cordilheiras da Patagônia eram o lugar perfeito para se refugiar. Eu concordava com ela, o problema seria chegar até lá. A neve tocando nossos rostos, seus cabelos morenos, uma cabana no meio da natureza e nada mais. Fiz um afago em sua perna trêmula, ela respondeu com um sorriso tímido. Em seu olho havia lágrimas, esperando o mínimo movimento para brotar. O rímel borrado, a orelha sem brincos e o cabelo despenteado. Sorri de volta, era o mínimo que podia fazer. Ela nunca pensou que se envolveria com um babaca assim. Provavelmente seu pensamento era criar uma família e cuidar do lar, eu estava providenciando emoções que ela nunca esboçou pensar. Um tiroteio, agressões, sangue, deixaríamos tudo isso para trás.
O carro aguentaria a viagem, ainda tínhamos combustível o bastante. A patrulha chegaria em alguns minutos, os policiais tomaria a cidade e suas saídas em pouco tempo. Eu não queria dizer nada para Mari, mas morreríamos ali mesmo. Morreríamos sem nem chegar perto da linha de chegada. Gostaria de dizer algumas coisas para ela, garanto que ela também gostaria de fazer o mesmo. Queria poder dizer que desde a primeira vez que a encontrei, nunca mais reparei em outra pessoa. Eu devia ser a maior decepção de sua vida, mas ela não sabe o quão duro eu dei para chegar a esse nível, o quanto eu batalhei para me tornar um babaca de primeira, um mau agouro na vida dos outros, símbolo de azar e fracasso por onde eu passo, a ovelha negra da minha família e de qualquer grupo que eu fiz parte. Ela era paciente e eu amava isso nela. Nunca mais iria vê-la fazer coisas que me encantam, como o simples fato dela ajeitar a mesa para as refeições, ou a forma com que ela ajeitava o cabelo. Isso me fazia sorrir, e lá estava eu sorrindo em uma situação de desespero descomunal, catatônico. Eu ali olhando para nossas alianças e me relembrando de uma frase do seu escritor favorito. Como era mesmo? “Formalizar o namoro é trocar um medo por outro. Antes tinha o medo de que ele não estivesse apaixonado, agora tem o medo de ser abandonada. A insegurança é eterna, quem tem certeza, não ama mais”. Nisso, ela me olha com cara de espanto, talvez nojo pelo seu sorriso despojado. Essa garota nunca me entendeu.
- Você é louco sabia? – disse ela, em um surto de raiva. – Vamos morrer aqui e tu sorri? Deus, como você é babaca.
- Meu bem – eu tentei argumentar -, você esperava algum final diferente desse?
            Ao acabar a frase pude ver pelo retrovisor as luzes azul e vermelhas preenchendo o fundo. Era o início da tão esperada caçada. Eles não desistiriam, como cães que farejam drogas, como lobos que procuram suas presas na neve, como os leões nos safaris africanos.
Fui acelerando ainda mais. Os meus batimentos cardíacos acompanhavam a subida de velocidade, assim como o choro quase compulsivo de minha namorada. O fundo estava sendo pintado por cores azuis e vermelhas, das luzes de viaturas que chegavam cada vez mais próximos do carro. Nada mais importaria daquele momento em diante. Era uma questão de tempo para ruas serem fechadas, barreiras colocadas e tiros serem disparados. Tudo é uma questão de tempo, tudo passa muito devagar, embora os instantes deslizem vagarosamente como uma Aranha desliza da sua teia, sem pressa alguma para saborear a presa, como os ritos antigos, em seitas onde uns devoram os outros. Seria assim, só que os tempos eram outros, assim como as armas se aperfeiçoaram. A única coisa que nunca mudou foi o fato da humanidade tentar acabar com o seu próximo. Das cavernas, com pedras e paus até os edifícios altos e as bombas atômicas, o instinto humano de entrar em conflito com o seu semelhante. E aqueles homens, eles iriam me cozinhar vivo. Eles fariam de tudo e me perseguiriam até os confins da Terra para me achar.Respirei fundo e troquei de faixa. Estava agora na contra-mão, como um furacão, todos os carros se afastando ou procurando desviar daquele tornado cinza. Era um movimento preciso. Era necessário ir contra tudo aquilo ali, era necessário arriscar. As estatísticas diriam que existiam mais de 90% de chances de bater o carro ou perder o controle da direção. Naquele momento eu não estava mais pensando. Eu estava apenas dirigindo, indo contra a correnteza como um peixe na sua árdua subida até a cabeceira dos rios para reproduzir. Ao contrário dos peixes, eu não estava buscando a vida e sim a morte. Seria uma bela morte ali. Seria como eu via na TV aquelas perseguições entre bandidos e bonzinhos. Quando você chega à fase adulta da vida percebe que não há grande diferença entre um e outro, nem tudo é tão claro e a maioria das coisas é cinza nesse mundo preto e branco. Quando se vira adulto, se percebe tantas coisas que antes a olho nu não eram perceptíveis. Muitas coisas mudam, mas nem tudo fica irreconhecível. Diante de nós apenas algo permanece imutável: o medo da morte. Algo que estava ignorando até aquele momento quando fui despertado de meu transe pelos gritos histéricos de Mariana. Eu não conseguia entender bem quais eram os xingamentos e palavras ditas. Apenas me lembro de olhar para seu rosto em desespero e voltar os olhos à estrada. Foi quando encontrei um obstáculo. Esse sim era imóvel, aquele carro branco não desviaria, estava fugindo contra a regra. Era apenas esperar pelo embate, pelo baque. Bateríamos.

domingo, 5 de maio de 2013

À sangue frio (parte III)




Sabe aquelas cenas de pancadaria generalizada que rolam enquanto toca uma música clássica no fundo? Essa era a situação, algo parecido com a Abertura 1812 de Tchaikovsky. Digno de filme, onde socos são trocados, balas voam por todo o lugar e aquela música, é o oposto do momento. Estava acontecendo ali, estava parecendo um filme, era a violência na sua forma mais bruta.
Começou com a intimação sem direito a resposta. Me colocaram na viatura e iam trafegando até a delegacia. Os cinco quarteirões mais demorados da minha vida. Deu tempo de repensar o porque de ter agredido Jordana, como as coisas seriam dali pra frente e em como o meu comportamento sempre esteve condicionado para esse tipo de fim. Não, não me arrependo em nada, acho que o ser humano de vez em quando precisa desse tipo de catarse, sabe? Ao menos que seja a possibilidade de jogar tudo pra cima e limpar a alma, as impurezas e sentimentos ruins. Existem pessoas que dizem que precisamos ser ruins às vezes para ver o quão bom somos. Eu acredito nisso. Inclusive, acredito que sou uma prova viva de tal teoria. Não é necessariamente ter que ser, ou ser por natureza, a questão principal é que a realidade nos molda e joga contra a grade. É a nossa forma de revide. Liberar os demônios é necessário, eventualmente porque vivemos em um cotidiano fodido. Ou você bate, ou você apanha.
Entre todos esses dilemas, só me passava pela cabeça de que eu não precisava daquilo tudo. Eu não preciso respeitar tais leis, eu não vivo por elas, muito menos dentro delas. Uma coisa que eu nunca consegui, foi aguentar o fato de algo ou alguém me controlar. Isso me tirava do sério. Eu não sei aceitar as armadilhas do acaso, sempre fui assim: solitário e renegado, sem leis pra cumprir, sem amarras para me prender, nunca fui refém de nada, nem dos meus sentimentos, nem das minhas palavras. Naquele caso, eu era dos meus atos. Acho que fracassei em tentar viver minha vida toda em um piloto automático, muito mais em tentar deixar tais marcas do passado escondidas. Essas cicatrizes eram bem visíveis, eu era um anti-herói, e nada melhor do que uma surra nos porcos para provar a minha verdadeira natureza.
O dia não tinha começado bem e nem iria terminar assim. Não teria como, afinal, ao final da quinta quadra eu saquei a arma, acertando o condutor. Sim, eu sei, foi uma ideia idiota. O carro perdeu o controle, sem falar que o outro tira se virou e veio me golpear. Burro, poderia ter usado sua arma, embora em seguida ele tenha se lembrado dela. O vidro que nos separava já tinha se tornado em estilhaços que estavam no chão do veículo. Trocamos socos, num combate de igual para igual. Eu podia ver o seu medo, o seu despreparo. Provavelmente nunca tinha presenciado uma experiência de tal risco, e eu usaria essa fraqueza a meu favor. Eu faria dela a minha arma. Num impulso, ele simplesmente pulou para o banco de trás como se fosse um leão em busca da sua refeição. Naquele momento éramos animais dentro de um carro desgovernado. Poderíamos estar sendo vistos por outras pessoas, a viatura poderia estar caindo em um barranco ou indo para a direção oposta, cruzando a linha que separa as faixas, mas nada mais importava. Era o seu medo contra a minha ira, os seus 1,89 cm contra os meus 1,85, a sua inexperiência contra o meu instinto assassino. Entre golpes e socos, pontapés e cotovelos, estávamos ali, armados. Esperando o golpe final. Ele sabia que era uma luta desigual, e quando percebeu isso resolveu apelar para o seu trunfo. Não houve tempo para pensar. Aqueles segundos que nos separavam. Foi suficiente apenas para trocarmos um olhar que exibia a nossa vontade de viver, a luta pela sobrevivência, pela supremacia. Eu nasci para matar, eu fui a esse mundo com esse objetivo, aquilo seria mais do que comum, ao contrário do policial, aquele paladino da justiça que ia a contramão do que sou. Eu iria mata-lo, eu acabaria com sua vida, honrando o que meu pai sempre disse. A sangue-frio. Filhos e esposa chorariam, suas expectativas e sonhos morreriam com ele, sua tão sonhada aposentadoria em uma praia nativa ficaria para outra vida. Sacamos as armas ao mesmo tempo como em um velho faroeste onde os cowboys se enfrentam, em que os momentos de tensão contrastam com o vento calmo e o chão árido, com areia. Seu tiro acertou meu estômago, o meu soco o fez desabar, e quando segurei sua cabeça entre minhas pernas apontei para a sua cabeça. Em cheio. Sangue para todo lado. Estava no baco, nas minhas roupas, na minha barba, em meu rosto. Joguei o corpo para o lado. Aquele projétil deveria ter no máximo 1, 2 kgs, mas pesava uma tonelada. Naquele estado, debilitado, foram precisos minutos até arranjar forças e sair dali.
O dia de fúria estava longe de terminar. Atirei o corpo para fora e me sentei no lugar do condutor. Coloquei o cinto e com uma mão segurava o volante e a outra pressionava o local atingido. Era preciso chegar em casa, explicar para Mariana o que aconteceu e sair, para o mais longe possível. Ela deveria estar desenhando, fazia desenho industrial. Provavelmente me veria e entraria em pânico. Odiava brigas e sangue. Seria horrível enxergar seu medo e provocar nela aquele alvoroço todo, mas era necessário. O pior seria ter que partir. Com ou sem ela. Os tiras viriam. Em maior número. Sedentos, em uma jornada interminável. Era questão de justiça para eles, e não hesitariam em fazer com as próprias mãos, ou com suas balas.
Cambaleando, arrastando as pernas, juntando todas as forças para chegar em casa. Aqueles degraus pareciam enormes muralhas a serem percorridas. Eu iria chegar, pensava. Minha visão turva me contradizia. Balbuciei algumas palavras, que deviam ser o nome de Mariana. Desmaiei. Não sei por quanto tempo, mas fui acordado com seus gritos histéricos. Havia perdido muito sangue, mas mais ainda seria derramado ao entardecer. O momento de partida havia chegado. Eu seria refém daquele crime, perturbado em meus sonhos pelos olhos sem vida daquele vigilante, da surra em Jordana, do descontentamento dos meus pais ao saber que era procurado pela polícia. Penso na minha namorada, que desgosto se envolver com um assassino, mas ela poderia partir. Seria apenas eu contra o mundo. Seria, se ela não optasse por estar ao meu lado. Seríamos reféns, dos nossos erros, de nós mesmos.

domingo, 28 de abril de 2013

À sangue frio (parte II)




Seria mais um dia normal não fosse o incidente da noite anterior. Tratei de agir normalmente chegando atrasado como de costume me dirigindo a minha sala, sem prestar muita atenção no que os outros estavam fazendo. Estávamos entre nove pessoas, era um jornal de pequena circulação situado no meio do centro daquela cidade interiorana. Dava uma boa grana, o bastante para pagar o aluguel e algumas contas, e permitia algumas pequenas regalias como jantar fora às vezes. Mas eu nunca fui bom em trabalhar. Talvez o certo seja: eu nunca fui bom em me situar a pequenos lugares e permanecer por muito tempo. Já conhecia as salas até mesmo em seus mínimos detalhes. Arquivos enormes cinzas, pastas e mais pastas, jornais para todos os lados, pessoas caminhando com pressa e o telefone tocando. Alguns dias aquilo era um caos, mesmo para uma cidade do interior.
Joel nem me olhou. Estava ali pegando um copo de água e eu com o meu cigarro. Eles odeiam que eu fume, existem regras para não fumar na redação, foda-se aquilo. Eu achei que ele começaria algum discurso parecido com aqueles que meu pai sempre faz sobre responsabilidades e consequências. Eu faria o que sempre faço quando ele discursa sobre tais coisas: acenderia meu cigarro e não daria a mínima. Fingiria interesse, diria que pensaria em algumas mudanças de comportamento e não faria nada de diferente. Mas existia algo diferente no ambiente, mesmo que estivéssemos em um lugar tão habitual, as palavras não sairiam como de costume, não seriam as mesmas como de costume e muito menos as nossas reações seriam iguais.
- Você é brilhante, mas é um babaca. Não posso continuar com você na redação.
Eu fiquei tocado com aquelas palavras. Finalmente um pouco de reconhecimento! É pedir demais? Nem daria relevância para o anúncio de que havia sido despedido. Eu finalmente tinha conseguido, um pouco de prestígio. Mesmo que tivesse saído da forma com que aconteceu, eu havia chegado lá. Pelo menos uma pessoa nesse mundo sabia que eu era brilhante. Uma pessoa admitia o meu brilhantismo, o gênio que muitos não viam, não eram todos cegos e alguém podia ver a forma radiante como eu colocava as palavras. Não é ótimo ter o ego massageado? Até parece que nós realmente acreditamos no que os outros dizem para a gente. Até parece que se importam conosco. Não sei o que eu faria o resto do dia desempregado, mas isso já me daria ideias para começar aquele livro que eu tanto queria. Porventura eu falasse sobre esse episódio.
Olhei pra ele e apaguei o cigarro. Eu não sabia ao certo o que falar, muito menos o que argumentaria sobre a surra que dei em Jordana. O que eu diria? “Ela mereceu”? Seria meio infantil. Ele provavelmente já sabia ou saberia em breve quando visse o olho roxo dela, os machucados na sua face ou a forma debilitada como viria ao trabalho.
- Apenas pegue suas coisas.
E me deu um abraço. Foi uma forma de dizer que se importava comigo, eu acredito. Não havia tempo para uma reação. Apenas fiz o que ele me pediu, enquanto todos me olhavam, esperando, torcendo para que suas expectativas fossem cumpridas. Não teriam que aturar aquele charlatão metido a intelectual, arrogante e entedido de todas as coisas que remetiam a dar uma opinião. Esvaziava a gaveta, colocando os livros de Poe em uma caixa, as folha anotadas, as agências esquecidas cheias de listas que nunca foram cumpridas dentro e a minha arma. Eu tinha um mini pistola, 22, presente de um vô que nunca foi presente, mas uma lembrança constante dos tempos em que íamos acampar e fazíamos de nossas refeições animais vivos que caçávamos na floresta. Foi uma herança inútil. Era uma herança inútil, até aquele momento. Meus passos pesados eram a prova de que, mesmo odiando aquele lugar, eu não queria ir embora. Talvez não dá forma como estava sendo, talvez pelo apreço familiar. Constantemente temos a necessidade involuntária de romantizar pessoas, lugares, coisas, objetos, na intenção de ver alguma importância real neles. Acendia um último cigarro em ato de rebeldia e fui descendo as escadas. Foi quando encontrei Jordana. Seu sorriso parecia uma amostra de que tramava algo, seu sorriso era confiante, inóspito, ela tinha algo preparado. Já dizia Bukowski, “uma fêmea raramente se afasta de uma vítima sem ter outra à mão”, e nesse caso, eu era a vítima. Seus dentes tão a mostra assim eram um indício de que planejara uma forma de dar o troco. Aprendi que as pessoas só sorriem dessa forma quando transaram na noite passada ou estão esperando confirmar algo. Ao sair do prédio confirmei isso.
Dois policiais me esperavam, e logo me trataram de colocar na viatura. Qualquer falatório meu seria inútil, então apenas travei e engoli qualquer palavra que pensei em dizer. Eles apenas não sabiam que eu tinha uma arma e nenhum receio em usá-la. Meio irracional, meio suicida, mas esse era eu, e eu não dormiria uma noite por um motivo como aquele. Não hoje, não aquela semana, não por aquela causa. 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

À sangue Frio




Sem remorsos, sem pena, nenhum arrependimento, nenhum tormento me assola. Se sentir tão bem por ter feito algo tão ruim. Acho que qualquer pessoa na face da terra já sentiu isso, não é? Mas era o que eu queria, o que eu desejava e pra mim, não havia nada de errado naquilo.
Tudo começou com uma discussão. Se existe algo que me irrita é homem que releva atitude de mulher fresca. Sim, mulher fresca, chata, que tem a mania de chamar atenção. Acha que pode tudo por ter um par de seios. Mas enfim, eu não preciso lidar com essa porcaria toda, e a paciência nunca foi uma aliada. Novamente eu, aguento aqueles desaforos de uma louca que não tinha nenhum motivo para se meter na conversa. Uma coisa que eu nunca aprendi é levar ofensa pra casa, porém como se trata de uma mulher, a gente precisa relevar. Normal, aquele cotidiano de xingamentos como “Não sei como você se comporta assim, tendo 20 e poucos anos”, “Trate de entender que ele te deu um trabalho, e ninguém aqui te daria isso. Você quer reconhecimento? Por favor”. E eu ignorando tudo isso, ao menos tentando fingir bem, prestando atenção no meu isqueiro enquanto fazia meu cigarro acender, olhando fixo para o chão, sem levantar o olhar, demonstrando nada mais do que a indiferença. A indiferença é a maior inimiga do sexo feminino. Elas podem lutar de igual para igual contra qualquer outro problema, mas a indiferença é um oponente de peso-pesado.
O repertório não mudava. Já eram mais de 2 minutos de xingamentos. Olhei pro relógio e percebi que já tinha cumprido meu horário. Ajeitei minhas tralhas na redação e peguei o casaco. Jordana veio atrás, ainda buscando argumentos e sendo nocauteada a cada tentativa pela minha indiferença. Fosse um homem, já teríamos acertado as contas de outro jeito. Mas seu amigo não estava ali e enfim, Joel não merecia uma surra. Aliás, ele merecia alguns bons amigos, e eu sabia que não estava sendo nos últimos tempos. Mesmo assim, meu desinteresse no trabalho era notável, fomos nos afastando até chegar a esse ponto: de alguém se intrometer nessa relação de trabalho.
Meu pai contava a todos o meu grande feito. Segundo ele, quando nasci, não chorei, não demonstrei algum sentimento. Foi como se eu tivesse água nas veias, “sangue de barata” na linguagem popular. Um trovão que não deixava rastros, um ser humano omisso de sensações. Na verdade, eu até sentia algumas coisas, mas nunca deixei que fossem maiores com a razão, e a razão naquele momento me dizia que eu deveria ir pra casa, acender uns cigarros, ver as luzes da cidade enquanto bebia algumas cervejas e deixar isso pra lá. Estava tudo programado, iria dar tudo certo, se não fosse aquela vagabunda atrás de mim. Bateu em minhas costas, praguejando aos sete ventos todas as ofensas que conhecia. Puxou meu casaco, arranhou meu pescoço e quando se viu em frente a mim, me acertou com um tapa. Segui em frente e fui recebendo outros. Notei que as pessoas olhavam aquela cena com certa estranheza, mas não interferiam, afinal, todos gostam de um pouco de sangue, um pouco de briga, um barraco. É bom às vezes, nos faz sentir vivos, como se algo realmente importasse de fato. Os seres humanos adoram isso, o sangue fervendo, as emoções a flor da pele, adrenalina sendo descarregada sem medidas. Embora eu estivesse tranquilo, também desejava um final divertido, pelo menos, divertido para mim.
Fui cruzando ruas, contornando a situação até que olhei para ela. Pela primeira vez se mostrou surpresa. A peguei pelos cabelos e fui levando para um beco mais escuro. Ninguém iria me deter, não seriam burros de se meter com um cara de 1,85. Levei ela até lá, coloquei minha mão em cima de sua boca e preparei o primeiro golpe. Não seria fácil, iria rolar sangue, mas essa vagabunda pedia. Pude perceber o medo em seus olhos. Possivelmente nunca havia enfrentado tal experiência. Sempre fora a patricinha cuidada do pai, podia cagar na cabeça de todos os namorados pelo fato de ter um par de seios, bunda e aquilo que interessa aos homens. E apanhou feio. A rua suja e cinzenta foi colorida com o vermelho de seu sangue. As lágrimas escorriam pela face úmida já encharcada pelo suor. Foram quatro ou cinco socos. O segundo e terceiro foram os mais fortes, os outros mais valeram pelo susto que levou e a batida na parte óssea da cabeça. E eu pensava “Sexo frágil? Algumas vezes nós devemos ver alguns limites, direitos e deveres”. Eu podia ouvir a voz rouca que suplicava o fim daquilo. O medo era notável no seu clamor. Cheguei perto de sua orelha. Os cabelos desalinhados e a maquiagem borrada com a combinação de roupa davam um belo contraste. Sussurrei a ela: “Podemos fazer isso pelo bem ou pelo mal. Apenas me deixe em paz”.
            Após desferir tais palavras, me peguei pensativo. Aquilo realmente tinha me tirado do sério. Foram despertadas várias emoções, entre a mais intensa delas, a violência. Eu que nunca liguei para a opinião alheia, me via abalado com aquele episódio. Não pela violência que distribuí, não pela cena, mas sim por ela ter ido mais fundo que outra pessoa já tinha ido em mim. Digo isso emocionalmente. Às vezes os mínimos detalhes da realidade nos machucam. Muitas vezes as pequenas coisas nos abalam, tiram nossa concentração, destroem nosso pequeno caminho como um vento impetuoso, tirando todas as lajotas tão bem colocadas, arrancando as flores plantadas e semeando a confusão no caminho. Eu nunca havia sentido isso antes, nem na minha primeira transa, nem com a minha atual namora, muito menos nos tempos remotos de infância. Eu que muitas vezes me julguei sangue-frio, fiquei tocado com aquela situação.
            Deixei-a deitada lá. Zonza das pancas ela provavelmente em breve iria se reerguer e chegar em um plantão médico. Eu não me recuperaria tão cedo daquilo. Embora tenha desferido golpes tão fortes quanto uma luta de Boxe, a maior incisão tinha sido na minha alma. Iria sangrar por um período.
            Fui chorando para a casa da minha namorada pensando na surra que dei em Jordana. Tomei banho em sua casa, olhei para ela e me deitei em seu colo. Chorei um pouco. Choramos ainda mais.

domingo, 21 de abril de 2013

Refúgio

Existem muitas dúvidas das quais eu acredito que nunca chegarei a uma resposta clara. Há muitas coisas que fogem do meu alcance. Esses dias estava pensando nisso, e de certa forma, me assusta. O desconhecido sempre amedrontou o ser humano. Deve ser por isso que temos uma tendência a ir contra a introspecção. Ela nos remete a perguntas que nem sempre chegam com respostas claras. Conceitos, histórias, episódios anteriores, passam pela nossa mente, quase que de forma despercebida, mas com a força de um mar furioso quando acontecimentos negativos ocorrem.
Desde pequeno sou muito introspectivo, era de uma timidez absurda, trocava poucas palavras, minhas respostas eram curtas e quase sempre fui tachado de arrogante ou prepotente quando comecei a ficar mais velho. Mas nunca mudei, aliás, por mais que me cercasse. Em festas jamais me senti confortável, afinal, aqueles olhares todos, todo aquele glamour, também não era de me dar bem em relação às mulheres nessas ocasiões. Mesmo sentimento eu partilhava sobre academia.
Um lugar inóspito, povoado por pessoas preocupadas apenas com o físico. Não que isso seja hipocrisia, eu também me preocupo. Porém, sei do meu porte físico, acredito que nunca ficaria tão forte ou ganharia músculos e massa tão rápido. Mesmo assim me enganei por um tempo e fui afoito, como se a cada sessão, eu aumentasse um pouco, quase um Hulk. Falava pro meu pai: “olha só a diferença”. Ainda que nada mudasse, apenas na minha cabeça mesmo.
Mas acredito que sempre me enganei com pequenas coisas, com amigos e expectativas. Uma série continua de erros sem proporção. Por esse e outros motivos fui um recluso e acredito que serei até o final da minha vida. Meu habitat natural é entre as folhas, no meio das canetas, perdido entre anotações e livros rabiscados. Não sei ainda se é um defeito meu. Entendo que não posso ir contra isso, é ir contra mim. É ir contra o meu refúgio.

domingo, 14 de abril de 2013

Queda Livre


Ninguém pode salvar alguém, não há como salvar outra pessoa. Podemos anestesiar a tristeza, contornar a solidão e até mesmo mascarar suas dores e medos. Mas não existe como fugir do que está claro. Somos seres sozinhos. Nascemos, vivemos e morremos sozinhos. Qualquer outra coisa é ilusão, apenas um doce disfarce, uma sutil mentira.
Tudo começa depois de um dia ruim, onde seus olhos se abrem em meio ao breu da noite e procuram encontrar algo, alguém, alguma coisa. O coração palpita, as mãos tentam encontrar algo para se agarrar. O travesseiro ao encontro do rosto já em lágrimas, As mãos nervosas refletem a ansiedade. Palpitação, suor, pânico, anseio. Onde estou indo? Quem eu sou? Quem eu fui? Estou vivendo tudo aquilo que eu deveria? O telefone se mostra a última esperança. Amigos, pais, namoradas, qualquer um serve. Ligamos e ninguém atende. Mesmo se atendesse em nada ou quase nada nos ajudaria. É uma queda livre. Queda livre de uma enorme cordilheira. Uma queda consentida, esperada, até mesmo necessária.
Caímos sem nos desmantelar no chão, que não deixa arranhões ou machucado exposto. Mero engano nosso, as dores aparecem ao amanhecer. A cabeça pesada, nosso mal-estar, meio zonzos, meio zumbis. Acordamos pela metade, a nossa outra parte ficou na péssima noite anterior.

Quando a manhã chega, o Sol parece não surgir com tanta intensidade, ainda que naturalmente já fosse capaz de nos acordar. Pensamos positivo: “foi apenas uma noite ruim”. É apenas isso: gravidade, ação e reação, lei da vida. Queda livre.

domingo, 7 de abril de 2013

Recomeço

Eu sempre fui um fiasco nas relações pessoais. Minha dificuldade nunca foi escrever, denunciar o sentimento. O problema está além das palavras, das páginas até os ouvidos é um caminho tortuoso demais. A minha voz fica fraca e rouca, as mãos tremem e nem sempre é fácil tornar a vida aquilo que as mãos fazem com tanta facilidade. Quem sabe um dia eu consiga. Chegará o dia em que as palavras não serão o bastante. A hora em que minha voz será forte como uma alcateia de lobos uivando palavras firmes como as rochas deste chão. Chegará o momento em que o fim dará início a um novo final, e esse, é apenas mais um começo.