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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

segunda-feira, 22 de abril de 2013

À sangue Frio




Sem remorsos, sem pena, nenhum arrependimento, nenhum tormento me assola. Se sentir tão bem por ter feito algo tão ruim. Acho que qualquer pessoa na face da terra já sentiu isso, não é? Mas era o que eu queria, o que eu desejava e pra mim, não havia nada de errado naquilo.
Tudo começou com uma discussão. Se existe algo que me irrita é homem que releva atitude de mulher fresca. Sim, mulher fresca, chata, que tem a mania de chamar atenção. Acha que pode tudo por ter um par de seios. Mas enfim, eu não preciso lidar com essa porcaria toda, e a paciência nunca foi uma aliada. Novamente eu, aguento aqueles desaforos de uma louca que não tinha nenhum motivo para se meter na conversa. Uma coisa que eu nunca aprendi é levar ofensa pra casa, porém como se trata de uma mulher, a gente precisa relevar. Normal, aquele cotidiano de xingamentos como “Não sei como você se comporta assim, tendo 20 e poucos anos”, “Trate de entender que ele te deu um trabalho, e ninguém aqui te daria isso. Você quer reconhecimento? Por favor”. E eu ignorando tudo isso, ao menos tentando fingir bem, prestando atenção no meu isqueiro enquanto fazia meu cigarro acender, olhando fixo para o chão, sem levantar o olhar, demonstrando nada mais do que a indiferença. A indiferença é a maior inimiga do sexo feminino. Elas podem lutar de igual para igual contra qualquer outro problema, mas a indiferença é um oponente de peso-pesado.
O repertório não mudava. Já eram mais de 2 minutos de xingamentos. Olhei pro relógio e percebi que já tinha cumprido meu horário. Ajeitei minhas tralhas na redação e peguei o casaco. Jordana veio atrás, ainda buscando argumentos e sendo nocauteada a cada tentativa pela minha indiferença. Fosse um homem, já teríamos acertado as contas de outro jeito. Mas seu amigo não estava ali e enfim, Joel não merecia uma surra. Aliás, ele merecia alguns bons amigos, e eu sabia que não estava sendo nos últimos tempos. Mesmo assim, meu desinteresse no trabalho era notável, fomos nos afastando até chegar a esse ponto: de alguém se intrometer nessa relação de trabalho.
Meu pai contava a todos o meu grande feito. Segundo ele, quando nasci, não chorei, não demonstrei algum sentimento. Foi como se eu tivesse água nas veias, “sangue de barata” na linguagem popular. Um trovão que não deixava rastros, um ser humano omisso de sensações. Na verdade, eu até sentia algumas coisas, mas nunca deixei que fossem maiores com a razão, e a razão naquele momento me dizia que eu deveria ir pra casa, acender uns cigarros, ver as luzes da cidade enquanto bebia algumas cervejas e deixar isso pra lá. Estava tudo programado, iria dar tudo certo, se não fosse aquela vagabunda atrás de mim. Bateu em minhas costas, praguejando aos sete ventos todas as ofensas que conhecia. Puxou meu casaco, arranhou meu pescoço e quando se viu em frente a mim, me acertou com um tapa. Segui em frente e fui recebendo outros. Notei que as pessoas olhavam aquela cena com certa estranheza, mas não interferiam, afinal, todos gostam de um pouco de sangue, um pouco de briga, um barraco. É bom às vezes, nos faz sentir vivos, como se algo realmente importasse de fato. Os seres humanos adoram isso, o sangue fervendo, as emoções a flor da pele, adrenalina sendo descarregada sem medidas. Embora eu estivesse tranquilo, também desejava um final divertido, pelo menos, divertido para mim.
Fui cruzando ruas, contornando a situação até que olhei para ela. Pela primeira vez se mostrou surpresa. A peguei pelos cabelos e fui levando para um beco mais escuro. Ninguém iria me deter, não seriam burros de se meter com um cara de 1,85. Levei ela até lá, coloquei minha mão em cima de sua boca e preparei o primeiro golpe. Não seria fácil, iria rolar sangue, mas essa vagabunda pedia. Pude perceber o medo em seus olhos. Possivelmente nunca havia enfrentado tal experiência. Sempre fora a patricinha cuidada do pai, podia cagar na cabeça de todos os namorados pelo fato de ter um par de seios, bunda e aquilo que interessa aos homens. E apanhou feio. A rua suja e cinzenta foi colorida com o vermelho de seu sangue. As lágrimas escorriam pela face úmida já encharcada pelo suor. Foram quatro ou cinco socos. O segundo e terceiro foram os mais fortes, os outros mais valeram pelo susto que levou e a batida na parte óssea da cabeça. E eu pensava “Sexo frágil? Algumas vezes nós devemos ver alguns limites, direitos e deveres”. Eu podia ouvir a voz rouca que suplicava o fim daquilo. O medo era notável no seu clamor. Cheguei perto de sua orelha. Os cabelos desalinhados e a maquiagem borrada com a combinação de roupa davam um belo contraste. Sussurrei a ela: “Podemos fazer isso pelo bem ou pelo mal. Apenas me deixe em paz”.
            Após desferir tais palavras, me peguei pensativo. Aquilo realmente tinha me tirado do sério. Foram despertadas várias emoções, entre a mais intensa delas, a violência. Eu que nunca liguei para a opinião alheia, me via abalado com aquele episódio. Não pela violência que distribuí, não pela cena, mas sim por ela ter ido mais fundo que outra pessoa já tinha ido em mim. Digo isso emocionalmente. Às vezes os mínimos detalhes da realidade nos machucam. Muitas vezes as pequenas coisas nos abalam, tiram nossa concentração, destroem nosso pequeno caminho como um vento impetuoso, tirando todas as lajotas tão bem colocadas, arrancando as flores plantadas e semeando a confusão no caminho. Eu nunca havia sentido isso antes, nem na minha primeira transa, nem com a minha atual namora, muito menos nos tempos remotos de infância. Eu que muitas vezes me julguei sangue-frio, fiquei tocado com aquela situação.
            Deixei-a deitada lá. Zonza das pancas ela provavelmente em breve iria se reerguer e chegar em um plantão médico. Eu não me recuperaria tão cedo daquilo. Embora tenha desferido golpes tão fortes quanto uma luta de Boxe, a maior incisão tinha sido na minha alma. Iria sangrar por um período.
            Fui chorando para a casa da minha namorada pensando na surra que dei em Jordana. Tomei banho em sua casa, olhei para ela e me deitei em seu colo. Chorei um pouco. Choramos ainda mais.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! Parabéns :)

Anônimo disse...

Teus textos são demais. Qualquer manhã dessas te digo isso pessoalmente!

Frederico de Barros Silva disse...

Obrigado pelo elogio!