Sem
remorsos, sem pena, nenhum arrependimento, nenhum tormento me assola. Se sentir
tão bem por ter feito algo tão ruim. Acho que qualquer pessoa na face da terra
já sentiu isso, não é? Mas era o que eu queria, o que eu desejava e pra mim,
não havia nada de errado naquilo.
Tudo
começou com uma discussão. Se existe algo que me irrita é homem que releva
atitude de mulher fresca. Sim, mulher fresca, chata, que tem a mania de chamar
atenção. Acha que pode tudo por ter um par de seios. Mas enfim, eu não preciso lidar
com essa porcaria toda, e a paciência nunca foi uma aliada. Novamente eu,
aguento aqueles desaforos de uma louca que não tinha nenhum motivo para se meter
na conversa. Uma coisa que eu nunca aprendi é levar ofensa pra casa, porém como
se trata de uma mulher, a gente precisa relevar. Normal, aquele cotidiano de
xingamentos como “Não sei como você se comporta assim, tendo 20 e poucos anos”,
“Trate de entender que ele te deu um trabalho, e ninguém aqui te daria isso.
Você quer reconhecimento? Por favor”. E eu ignorando tudo isso, ao menos
tentando fingir bem, prestando atenção no meu isqueiro enquanto fazia meu
cigarro acender, olhando fixo para o chão, sem levantar o olhar, demonstrando
nada mais do que a indiferença. A indiferença é a maior inimiga do sexo
feminino. Elas podem lutar de igual para igual contra qualquer outro problema,
mas a indiferença é um oponente de peso-pesado.
O
repertório não mudava. Já eram mais de 2 minutos de xingamentos. Olhei pro
relógio e percebi que já tinha cumprido meu horário. Ajeitei minhas tralhas na
redação e peguei o casaco. Jordana veio atrás, ainda buscando argumentos e
sendo nocauteada a cada tentativa pela minha indiferença. Fosse um homem, já
teríamos acertado as contas de outro jeito. Mas seu amigo não estava ali e
enfim, Joel não merecia uma surra. Aliás, ele merecia alguns bons amigos, e eu
sabia que não estava sendo nos últimos tempos. Mesmo assim, meu desinteresse no
trabalho era notável, fomos nos afastando até chegar a esse ponto: de alguém se
intrometer nessa relação de trabalho.
Meu
pai contava a todos o meu grande feito. Segundo ele, quando nasci, não chorei,
não demonstrei algum sentimento. Foi como se eu tivesse água nas veias, “sangue
de barata” na linguagem popular. Um trovão que não deixava rastros, um ser
humano omisso de sensações. Na verdade, eu até sentia algumas coisas, mas nunca
deixei que fossem maiores com a razão, e a razão naquele momento me dizia que
eu deveria ir pra casa, acender uns cigarros, ver as luzes da cidade enquanto
bebia algumas cervejas e deixar isso pra lá. Estava tudo programado, iria dar
tudo certo, se não fosse aquela vagabunda atrás de mim. Bateu em minhas costas,
praguejando aos sete ventos todas as ofensas que conhecia. Puxou meu casaco,
arranhou meu pescoço e quando se viu em frente a mim, me acertou com um tapa.
Segui em frente e fui recebendo outros. Notei que as pessoas olhavam aquela
cena com certa estranheza, mas não interferiam, afinal, todos gostam de um
pouco de sangue, um pouco de briga, um barraco. É bom às vezes, nos faz sentir
vivos, como se algo realmente importasse de fato. Os seres humanos adoram isso,
o sangue fervendo, as emoções a flor da pele, adrenalina sendo descarregada sem
medidas. Embora eu estivesse tranquilo, também desejava um final divertido, pelo
menos, divertido para mim.
Fui
cruzando ruas, contornando a situação até que olhei para ela. Pela primeira vez
se mostrou surpresa. A peguei pelos cabelos e fui levando para um beco mais
escuro. Ninguém iria me deter, não seriam burros de se meter com um cara de
1,85. Levei ela até lá, coloquei minha mão em cima de sua boca e preparei o
primeiro golpe. Não seria fácil, iria rolar sangue, mas essa vagabunda pedia.
Pude perceber o medo em seus olhos. Possivelmente nunca havia enfrentado tal
experiência. Sempre fora a patricinha cuidada do pai, podia cagar na cabeça de
todos os namorados pelo fato de ter um par de seios, bunda e aquilo que interessa
aos homens. E apanhou feio. A rua suja e cinzenta foi colorida com o vermelho
de seu sangue. As lágrimas escorriam pela face úmida já encharcada pelo suor.
Foram quatro ou cinco socos. O segundo e terceiro foram os mais fortes, os
outros mais valeram pelo susto que levou e a batida na parte óssea da cabeça. E
eu pensava “Sexo frágil? Algumas vezes nós devemos ver alguns limites, direitos
e deveres”. Eu podia ouvir a voz rouca que suplicava o fim daquilo. O medo era
notável no seu clamor. Cheguei perto de sua orelha. Os cabelos desalinhados e a
maquiagem borrada com a combinação de roupa davam um belo contraste. Sussurrei
a ela: “Podemos fazer isso pelo bem ou pelo mal. Apenas me deixe em paz”.
Após
desferir tais palavras, me peguei pensativo. Aquilo realmente tinha me tirado
do sério. Foram despertadas várias emoções, entre a mais intensa delas, a
violência. Eu que nunca liguei para a opinião alheia, me via abalado com aquele
episódio. Não pela violência que distribuí, não pela cena, mas sim por ela ter
ido mais fundo que outra pessoa já tinha ido em mim. Digo isso emocionalmente.
Às vezes os mínimos detalhes da realidade nos machucam. Muitas vezes as
pequenas coisas nos abalam, tiram nossa concentração, destroem nosso pequeno
caminho como um vento impetuoso, tirando todas as lajotas tão bem colocadas,
arrancando as flores plantadas e semeando a confusão no caminho. Eu nunca havia
sentido isso antes, nem na minha primeira transa, nem com a minha atual namora,
muito menos nos tempos remotos de infância. Eu que muitas vezes me julguei
sangue-frio, fiquei tocado com aquela situação.
Deixei-a
deitada lá. Zonza das pancas ela provavelmente em breve iria se reerguer e
chegar em um plantão médico. Eu não me recuperaria tão cedo daquilo. Embora
tenha desferido golpes tão fortes quanto uma luta de Boxe, a maior incisão
tinha sido na minha alma. Iria sangrar por um período.
Fui
chorando para a casa da minha namorada pensando na surra que dei em Jordana.
Tomei banho em sua casa, olhei para ela e me deitei em seu colo. Chorei um
pouco. Choramos ainda mais.
3 comentários:
Muito bom! Parabéns :)
Teus textos são demais. Qualquer manhã dessas te digo isso pessoalmente!
Obrigado pelo elogio!
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