Primeiramente
eu tive que me adaptar às exigências. Pensei bastante, calculei as
consequências e então tomado por uma vontade imensa de mudar eu disse: ‘que se
dane’, e assinei aquele contrato de sangue. Até hoje me arrependo desse pacto
com Diabo, vendi minha alma e meu talento pra ser uma pessoa normal, comum, com
suas aporrinhações cotidianas.
Engraçado
é que eu sempre via aqueles programas de beleza em que transformavam uma pessoa
e achava o cúmulo. Desde pequeno vi muitas mudanças na minha vida, e de certa
forma, todas me decepcionaram. É estranho isso, mas eu que sempre fui contra
aquelas mudanças, no auge da minha ignorância via aqueles reality shows. Indagava-me
de como as pessoas davam total liberdade para os outros as mudarem. Incrível
como o ser humano faz de tudo para agradar. Pensava isso enquanto aconteciam as
primeiras mudanças.
O
segundo passo foram as mudanças, repentinas e constantes. Primeiro alisaram meu
cabelo, ora cabelo crespo, de negro, o que está na moda é o liso. Uma parte da
minha personalidade já estava sendo cortada e eu deixei levado por um
conformismo agravante, mas segui com as mudanças. E então foram minhas roupas.
Nada de camisetas personalizadas mostrando gostos e opiniões, não, eles
revitalizaram meu guarda-roupa com apenas camisetas de marca. E assim foram com
as calças e os sapatos e tênis, todos no lixo, dando lugar à outros que os
outros também usam. Não concordei com alguns desses pontos, algumas camisetas
tinham valor sentimental, porém novamente fui apático e deixei que acontecesse.
Essa
primeira parte já havia acabado e tinha sido um sucesso, faltava apenas a parte
mental. E trataram de tirar minhas crenças e por ideias simples. Trocaram minha
revolta e vontade de mudar o mundo pela falta de ambição, minha vontade em adquirir
conhecimento com cultura de massa, discussões inteligentes por um intelecto
fraco. Fizeram-me preferir músculos a cérebros, essência por aparência. Parei
de ler, de escrever e de pensar, agora eu apenas ajo. Minhas tardes regadas a
leituras e escrituras foram substituídas por festas com significados vazios,
comemorando a liberdade inóspita que eu tinha. Trocaram meus sonhos por
chamados ‘planos de carreira’, ambições por ‘metas’ e por aí vai. Mas eu estava
feliz, renovado, tinha parado de usar os meus óculos e troquei por lentes. Dei
uma repaginada no visual e fiquei tão contente que pensei em escrever sobre
isso. Para minha surpresa eu já não sabia mais escrever, mal entendia aquelas
letras, não conseguia formar palavras nem frases.
Ainda
assim estava tudo ótimo, pois agora eu apenas sorria sem motivos. E a
felicidade não é uma benção? Afinal, eu prefiro ser idiota, um tolo sem
informação alguma, um ignorante sem nenhuma formação do que um
pseudo-intelectual amargurado. Eu não sentia nada, era um deserto de
sentimentos, mas acreditava que sempre estava feliz. Via de tempos em tempos a
minha ex e de nada adiantou, nenhuma lágrima caiu, muito menos senti algo por
ela. E eu nem tinha como questionar aqui, não conseguia mais. Minha
inteligência emocional era equivalente à um chimpanzé tentando entender o mundo
dos seres humanos.
Meu
físico estava excelente e eu fazia corridas diárias. E em um mero momento de
dúvida me questionei se eu não havia me tornado uma cobaia da sociedade. Para o
meu desespero, eu acreditava que sim. Comecei a relembrar cada passo e os
hábitos que havia deixado para trás. Pela primeira vez em muito tempo eu estava
sentindo algo que não era conformismo. Eu estava vivo novamente! Eu não era
mais um robô sem sentimentos. Eu poderia fugir de tudo aqui que me cercava, eu
poderia voltar a ser quem um dia fui. Eu iria escrever um livro, sim, eu
aprenderia a escrever novamente e faria um livro sobre esse capítulo da minha
vida.
Senti
algo duro e gelado na minha cabeça, fui golpeado. Acordei em um hospital, com
enfermeiras metendo comprimidos goela abaixo. Novamente apaguei e devo ter
dormido por umas 5 horas, ou 5 dias, ou 5 meses. Apenas sei que acordei em
casa, vestido com aquelas mesmas roupas que me deram. Estranhei de fato acordar
vestido e corri para o banheiro. Me olhei no espelho e havia um sorriso
estampado no meu rosto. Era uma bizarrice da natureza aquele sorriso. Não
importa o que eu sentisse agora eu sempre estaria sorrindo, e tudo estaria bem.