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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

sábado, 26 de janeiro de 2013

A Pele que Habito

Primeiramente eu tive que me adaptar às exigências. Pensei bastante, calculei as consequências e então tomado por uma vontade imensa de mudar eu disse: ‘que se dane’, e assinei aquele contrato de sangue. Até hoje me arrependo desse pacto com Diabo, vendi minha alma e meu talento pra ser uma pessoa normal, comum, com suas aporrinhações cotidianas.
Engraçado é que eu sempre via aqueles programas de beleza em que transformavam uma pessoa e achava o cúmulo. Desde pequeno vi muitas mudanças na minha vida, e de certa forma, todas me decepcionaram. É estranho isso, mas eu que sempre fui contra aquelas mudanças, no auge da minha ignorância via aqueles reality shows. Indagava-me de como as pessoas davam total liberdade para os outros as mudarem. Incrível como o ser humano faz de tudo para agradar. Pensava isso enquanto aconteciam as primeiras mudanças.
O segundo passo foram as mudanças, repentinas e constantes. Primeiro alisaram meu cabelo, ora cabelo crespo, de negro, o que está na moda é o liso. Uma parte da minha personalidade já estava sendo cortada e eu deixei levado por um conformismo agravante, mas segui com as mudanças. E então foram minhas roupas. Nada de camisetas personalizadas mostrando gostos e opiniões, não, eles revitalizaram meu guarda-roupa com apenas camisetas de marca. E assim foram com as calças e os sapatos e tênis, todos no lixo, dando lugar à outros que os outros também usam. Não concordei com alguns desses pontos, algumas camisetas tinham valor sentimental, porém novamente fui apático e deixei que acontecesse.
Essa primeira parte já havia acabado e tinha sido um sucesso, faltava apenas a parte mental. E trataram de tirar minhas crenças e por ideias simples. Trocaram minha revolta e vontade de mudar o mundo pela falta de ambição, minha vontade em adquirir conhecimento com cultura de massa, discussões inteligentes por um intelecto fraco. Fizeram-me preferir músculos a cérebros, essência por aparência. Parei de ler, de escrever e de pensar, agora eu apenas ajo. Minhas tardes regadas a leituras e escrituras foram substituídas por festas com significados vazios, comemorando a liberdade inóspita que eu tinha. Trocaram meus sonhos por chamados ‘planos de carreira’, ambições por ‘metas’ e por aí vai. Mas eu estava feliz, renovado, tinha parado de usar os meus óculos e troquei por lentes. Dei uma repaginada no visual e fiquei tão contente que pensei em escrever sobre isso. Para minha surpresa eu já não sabia mais escrever, mal entendia aquelas letras, não conseguia formar palavras nem frases.
Ainda assim estava tudo ótimo, pois agora eu apenas sorria sem motivos. E a felicidade não é uma benção? Afinal, eu prefiro ser idiota, um tolo sem informação alguma, um ignorante sem nenhuma formação do que um pseudo-intelectual amargurado. Eu não sentia nada, era um deserto de sentimentos, mas acreditava que sempre estava feliz. Via de tempos em tempos a minha ex e de nada adiantou, nenhuma lágrima caiu, muito menos senti algo por ela. E eu nem tinha como questionar aqui, não conseguia mais. Minha inteligência emocional era equivalente à um chimpanzé tentando entender o mundo dos seres humanos.
Meu físico estava excelente e eu fazia corridas diárias. E em um mero momento de dúvida me questionei se eu não havia me tornado uma cobaia da sociedade. Para o meu desespero, eu acreditava que sim. Comecei a relembrar cada passo e os hábitos que havia deixado para trás. Pela primeira vez em muito tempo eu estava sentindo algo que não era conformismo. Eu estava vivo novamente! Eu não era mais um robô sem sentimentos. Eu poderia fugir de tudo aqui que me cercava, eu poderia voltar a ser quem um dia fui. Eu iria escrever um livro, sim, eu aprenderia a escrever novamente e faria um livro sobre esse capítulo da minha vida.
Senti algo duro e gelado na minha cabeça, fui golpeado. Acordei em um hospital, com enfermeiras metendo comprimidos goela abaixo. Novamente apaguei e devo ter dormido por umas 5 horas, ou 5 dias, ou 5 meses. Apenas sei que acordei em casa, vestido com aquelas mesmas roupas que me deram. Estranhei de fato acordar vestido e corri para o banheiro. Me olhei no espelho e havia um sorriso estampado no meu rosto. Era uma bizarrice da natureza aquele sorriso. Não importa o que eu sentisse agora eu sempre estaria sorrindo, e tudo estaria bem.

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