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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

domingo, 28 de abril de 2013

À sangue frio (parte II)




Seria mais um dia normal não fosse o incidente da noite anterior. Tratei de agir normalmente chegando atrasado como de costume me dirigindo a minha sala, sem prestar muita atenção no que os outros estavam fazendo. Estávamos entre nove pessoas, era um jornal de pequena circulação situado no meio do centro daquela cidade interiorana. Dava uma boa grana, o bastante para pagar o aluguel e algumas contas, e permitia algumas pequenas regalias como jantar fora às vezes. Mas eu nunca fui bom em trabalhar. Talvez o certo seja: eu nunca fui bom em me situar a pequenos lugares e permanecer por muito tempo. Já conhecia as salas até mesmo em seus mínimos detalhes. Arquivos enormes cinzas, pastas e mais pastas, jornais para todos os lados, pessoas caminhando com pressa e o telefone tocando. Alguns dias aquilo era um caos, mesmo para uma cidade do interior.
Joel nem me olhou. Estava ali pegando um copo de água e eu com o meu cigarro. Eles odeiam que eu fume, existem regras para não fumar na redação, foda-se aquilo. Eu achei que ele começaria algum discurso parecido com aqueles que meu pai sempre faz sobre responsabilidades e consequências. Eu faria o que sempre faço quando ele discursa sobre tais coisas: acenderia meu cigarro e não daria a mínima. Fingiria interesse, diria que pensaria em algumas mudanças de comportamento e não faria nada de diferente. Mas existia algo diferente no ambiente, mesmo que estivéssemos em um lugar tão habitual, as palavras não sairiam como de costume, não seriam as mesmas como de costume e muito menos as nossas reações seriam iguais.
- Você é brilhante, mas é um babaca. Não posso continuar com você na redação.
Eu fiquei tocado com aquelas palavras. Finalmente um pouco de reconhecimento! É pedir demais? Nem daria relevância para o anúncio de que havia sido despedido. Eu finalmente tinha conseguido, um pouco de prestígio. Mesmo que tivesse saído da forma com que aconteceu, eu havia chegado lá. Pelo menos uma pessoa nesse mundo sabia que eu era brilhante. Uma pessoa admitia o meu brilhantismo, o gênio que muitos não viam, não eram todos cegos e alguém podia ver a forma radiante como eu colocava as palavras. Não é ótimo ter o ego massageado? Até parece que nós realmente acreditamos no que os outros dizem para a gente. Até parece que se importam conosco. Não sei o que eu faria o resto do dia desempregado, mas isso já me daria ideias para começar aquele livro que eu tanto queria. Porventura eu falasse sobre esse episódio.
Olhei pra ele e apaguei o cigarro. Eu não sabia ao certo o que falar, muito menos o que argumentaria sobre a surra que dei em Jordana. O que eu diria? “Ela mereceu”? Seria meio infantil. Ele provavelmente já sabia ou saberia em breve quando visse o olho roxo dela, os machucados na sua face ou a forma debilitada como viria ao trabalho.
- Apenas pegue suas coisas.
E me deu um abraço. Foi uma forma de dizer que se importava comigo, eu acredito. Não havia tempo para uma reação. Apenas fiz o que ele me pediu, enquanto todos me olhavam, esperando, torcendo para que suas expectativas fossem cumpridas. Não teriam que aturar aquele charlatão metido a intelectual, arrogante e entedido de todas as coisas que remetiam a dar uma opinião. Esvaziava a gaveta, colocando os livros de Poe em uma caixa, as folha anotadas, as agências esquecidas cheias de listas que nunca foram cumpridas dentro e a minha arma. Eu tinha um mini pistola, 22, presente de um vô que nunca foi presente, mas uma lembrança constante dos tempos em que íamos acampar e fazíamos de nossas refeições animais vivos que caçávamos na floresta. Foi uma herança inútil. Era uma herança inútil, até aquele momento. Meus passos pesados eram a prova de que, mesmo odiando aquele lugar, eu não queria ir embora. Talvez não dá forma como estava sendo, talvez pelo apreço familiar. Constantemente temos a necessidade involuntária de romantizar pessoas, lugares, coisas, objetos, na intenção de ver alguma importância real neles. Acendia um último cigarro em ato de rebeldia e fui descendo as escadas. Foi quando encontrei Jordana. Seu sorriso parecia uma amostra de que tramava algo, seu sorriso era confiante, inóspito, ela tinha algo preparado. Já dizia Bukowski, “uma fêmea raramente se afasta de uma vítima sem ter outra à mão”, e nesse caso, eu era a vítima. Seus dentes tão a mostra assim eram um indício de que planejara uma forma de dar o troco. Aprendi que as pessoas só sorriem dessa forma quando transaram na noite passada ou estão esperando confirmar algo. Ao sair do prédio confirmei isso.
Dois policiais me esperavam, e logo me trataram de colocar na viatura. Qualquer falatório meu seria inútil, então apenas travei e engoli qualquer palavra que pensei em dizer. Eles apenas não sabiam que eu tinha uma arma e nenhum receio em usá-la. Meio irracional, meio suicida, mas esse era eu, e eu não dormiria uma noite por um motivo como aquele. Não hoje, não aquela semana, não por aquela causa. 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

À sangue Frio




Sem remorsos, sem pena, nenhum arrependimento, nenhum tormento me assola. Se sentir tão bem por ter feito algo tão ruim. Acho que qualquer pessoa na face da terra já sentiu isso, não é? Mas era o que eu queria, o que eu desejava e pra mim, não havia nada de errado naquilo.
Tudo começou com uma discussão. Se existe algo que me irrita é homem que releva atitude de mulher fresca. Sim, mulher fresca, chata, que tem a mania de chamar atenção. Acha que pode tudo por ter um par de seios. Mas enfim, eu não preciso lidar com essa porcaria toda, e a paciência nunca foi uma aliada. Novamente eu, aguento aqueles desaforos de uma louca que não tinha nenhum motivo para se meter na conversa. Uma coisa que eu nunca aprendi é levar ofensa pra casa, porém como se trata de uma mulher, a gente precisa relevar. Normal, aquele cotidiano de xingamentos como “Não sei como você se comporta assim, tendo 20 e poucos anos”, “Trate de entender que ele te deu um trabalho, e ninguém aqui te daria isso. Você quer reconhecimento? Por favor”. E eu ignorando tudo isso, ao menos tentando fingir bem, prestando atenção no meu isqueiro enquanto fazia meu cigarro acender, olhando fixo para o chão, sem levantar o olhar, demonstrando nada mais do que a indiferença. A indiferença é a maior inimiga do sexo feminino. Elas podem lutar de igual para igual contra qualquer outro problema, mas a indiferença é um oponente de peso-pesado.
O repertório não mudava. Já eram mais de 2 minutos de xingamentos. Olhei pro relógio e percebi que já tinha cumprido meu horário. Ajeitei minhas tralhas na redação e peguei o casaco. Jordana veio atrás, ainda buscando argumentos e sendo nocauteada a cada tentativa pela minha indiferença. Fosse um homem, já teríamos acertado as contas de outro jeito. Mas seu amigo não estava ali e enfim, Joel não merecia uma surra. Aliás, ele merecia alguns bons amigos, e eu sabia que não estava sendo nos últimos tempos. Mesmo assim, meu desinteresse no trabalho era notável, fomos nos afastando até chegar a esse ponto: de alguém se intrometer nessa relação de trabalho.
Meu pai contava a todos o meu grande feito. Segundo ele, quando nasci, não chorei, não demonstrei algum sentimento. Foi como se eu tivesse água nas veias, “sangue de barata” na linguagem popular. Um trovão que não deixava rastros, um ser humano omisso de sensações. Na verdade, eu até sentia algumas coisas, mas nunca deixei que fossem maiores com a razão, e a razão naquele momento me dizia que eu deveria ir pra casa, acender uns cigarros, ver as luzes da cidade enquanto bebia algumas cervejas e deixar isso pra lá. Estava tudo programado, iria dar tudo certo, se não fosse aquela vagabunda atrás de mim. Bateu em minhas costas, praguejando aos sete ventos todas as ofensas que conhecia. Puxou meu casaco, arranhou meu pescoço e quando se viu em frente a mim, me acertou com um tapa. Segui em frente e fui recebendo outros. Notei que as pessoas olhavam aquela cena com certa estranheza, mas não interferiam, afinal, todos gostam de um pouco de sangue, um pouco de briga, um barraco. É bom às vezes, nos faz sentir vivos, como se algo realmente importasse de fato. Os seres humanos adoram isso, o sangue fervendo, as emoções a flor da pele, adrenalina sendo descarregada sem medidas. Embora eu estivesse tranquilo, também desejava um final divertido, pelo menos, divertido para mim.
Fui cruzando ruas, contornando a situação até que olhei para ela. Pela primeira vez se mostrou surpresa. A peguei pelos cabelos e fui levando para um beco mais escuro. Ninguém iria me deter, não seriam burros de se meter com um cara de 1,85. Levei ela até lá, coloquei minha mão em cima de sua boca e preparei o primeiro golpe. Não seria fácil, iria rolar sangue, mas essa vagabunda pedia. Pude perceber o medo em seus olhos. Possivelmente nunca havia enfrentado tal experiência. Sempre fora a patricinha cuidada do pai, podia cagar na cabeça de todos os namorados pelo fato de ter um par de seios, bunda e aquilo que interessa aos homens. E apanhou feio. A rua suja e cinzenta foi colorida com o vermelho de seu sangue. As lágrimas escorriam pela face úmida já encharcada pelo suor. Foram quatro ou cinco socos. O segundo e terceiro foram os mais fortes, os outros mais valeram pelo susto que levou e a batida na parte óssea da cabeça. E eu pensava “Sexo frágil? Algumas vezes nós devemos ver alguns limites, direitos e deveres”. Eu podia ouvir a voz rouca que suplicava o fim daquilo. O medo era notável no seu clamor. Cheguei perto de sua orelha. Os cabelos desalinhados e a maquiagem borrada com a combinação de roupa davam um belo contraste. Sussurrei a ela: “Podemos fazer isso pelo bem ou pelo mal. Apenas me deixe em paz”.
            Após desferir tais palavras, me peguei pensativo. Aquilo realmente tinha me tirado do sério. Foram despertadas várias emoções, entre a mais intensa delas, a violência. Eu que nunca liguei para a opinião alheia, me via abalado com aquele episódio. Não pela violência que distribuí, não pela cena, mas sim por ela ter ido mais fundo que outra pessoa já tinha ido em mim. Digo isso emocionalmente. Às vezes os mínimos detalhes da realidade nos machucam. Muitas vezes as pequenas coisas nos abalam, tiram nossa concentração, destroem nosso pequeno caminho como um vento impetuoso, tirando todas as lajotas tão bem colocadas, arrancando as flores plantadas e semeando a confusão no caminho. Eu nunca havia sentido isso antes, nem na minha primeira transa, nem com a minha atual namora, muito menos nos tempos remotos de infância. Eu que muitas vezes me julguei sangue-frio, fiquei tocado com aquela situação.
            Deixei-a deitada lá. Zonza das pancas ela provavelmente em breve iria se reerguer e chegar em um plantão médico. Eu não me recuperaria tão cedo daquilo. Embora tenha desferido golpes tão fortes quanto uma luta de Boxe, a maior incisão tinha sido na minha alma. Iria sangrar por um período.
            Fui chorando para a casa da minha namorada pensando na surra que dei em Jordana. Tomei banho em sua casa, olhei para ela e me deitei em seu colo. Chorei um pouco. Choramos ainda mais.

domingo, 21 de abril de 2013

Refúgio

Existem muitas dúvidas das quais eu acredito que nunca chegarei a uma resposta clara. Há muitas coisas que fogem do meu alcance. Esses dias estava pensando nisso, e de certa forma, me assusta. O desconhecido sempre amedrontou o ser humano. Deve ser por isso que temos uma tendência a ir contra a introspecção. Ela nos remete a perguntas que nem sempre chegam com respostas claras. Conceitos, histórias, episódios anteriores, passam pela nossa mente, quase que de forma despercebida, mas com a força de um mar furioso quando acontecimentos negativos ocorrem.
Desde pequeno sou muito introspectivo, era de uma timidez absurda, trocava poucas palavras, minhas respostas eram curtas e quase sempre fui tachado de arrogante ou prepotente quando comecei a ficar mais velho. Mas nunca mudei, aliás, por mais que me cercasse. Em festas jamais me senti confortável, afinal, aqueles olhares todos, todo aquele glamour, também não era de me dar bem em relação às mulheres nessas ocasiões. Mesmo sentimento eu partilhava sobre academia.
Um lugar inóspito, povoado por pessoas preocupadas apenas com o físico. Não que isso seja hipocrisia, eu também me preocupo. Porém, sei do meu porte físico, acredito que nunca ficaria tão forte ou ganharia músculos e massa tão rápido. Mesmo assim me enganei por um tempo e fui afoito, como se a cada sessão, eu aumentasse um pouco, quase um Hulk. Falava pro meu pai: “olha só a diferença”. Ainda que nada mudasse, apenas na minha cabeça mesmo.
Mas acredito que sempre me enganei com pequenas coisas, com amigos e expectativas. Uma série continua de erros sem proporção. Por esse e outros motivos fui um recluso e acredito que serei até o final da minha vida. Meu habitat natural é entre as folhas, no meio das canetas, perdido entre anotações e livros rabiscados. Não sei ainda se é um defeito meu. Entendo que não posso ir contra isso, é ir contra mim. É ir contra o meu refúgio.

domingo, 14 de abril de 2013

Queda Livre


Ninguém pode salvar alguém, não há como salvar outra pessoa. Podemos anestesiar a tristeza, contornar a solidão e até mesmo mascarar suas dores e medos. Mas não existe como fugir do que está claro. Somos seres sozinhos. Nascemos, vivemos e morremos sozinhos. Qualquer outra coisa é ilusão, apenas um doce disfarce, uma sutil mentira.
Tudo começa depois de um dia ruim, onde seus olhos se abrem em meio ao breu da noite e procuram encontrar algo, alguém, alguma coisa. O coração palpita, as mãos tentam encontrar algo para se agarrar. O travesseiro ao encontro do rosto já em lágrimas, As mãos nervosas refletem a ansiedade. Palpitação, suor, pânico, anseio. Onde estou indo? Quem eu sou? Quem eu fui? Estou vivendo tudo aquilo que eu deveria? O telefone se mostra a última esperança. Amigos, pais, namoradas, qualquer um serve. Ligamos e ninguém atende. Mesmo se atendesse em nada ou quase nada nos ajudaria. É uma queda livre. Queda livre de uma enorme cordilheira. Uma queda consentida, esperada, até mesmo necessária.
Caímos sem nos desmantelar no chão, que não deixa arranhões ou machucado exposto. Mero engano nosso, as dores aparecem ao amanhecer. A cabeça pesada, nosso mal-estar, meio zonzos, meio zumbis. Acordamos pela metade, a nossa outra parte ficou na péssima noite anterior.

Quando a manhã chega, o Sol parece não surgir com tanta intensidade, ainda que naturalmente já fosse capaz de nos acordar. Pensamos positivo: “foi apenas uma noite ruim”. É apenas isso: gravidade, ação e reação, lei da vida. Queda livre.

domingo, 7 de abril de 2013

Recomeço

Eu sempre fui um fiasco nas relações pessoais. Minha dificuldade nunca foi escrever, denunciar o sentimento. O problema está além das palavras, das páginas até os ouvidos é um caminho tortuoso demais. A minha voz fica fraca e rouca, as mãos tremem e nem sempre é fácil tornar a vida aquilo que as mãos fazem com tanta facilidade. Quem sabe um dia eu consiga. Chegará o dia em que as palavras não serão o bastante. A hora em que minha voz será forte como uma alcateia de lobos uivando palavras firmes como as rochas deste chão. Chegará o momento em que o fim dará início a um novo final, e esse, é apenas mais um começo.

domingo, 31 de março de 2013

Europeus


Ela sussura mon petit prince, eu respondo ich liebe dich. Sua pele branca como porcelana contrasta com a minha mais morena. Dividimos gostos, enquanto ouço Cícero, ela vai no embalo de Jeneci. Eu devo estar vendo filmes demais, imaginando em excesso, me faltam pés no chão. Estou como minha pequena, sonhando alto, com a cabeça nas nuvens. E entre um pé no realismo e a ficção e outro na literatura, tudo o que posso fazer é escrever. Durante sua ausência na minha pele, restam as minhas mãos escrever.
            Sucumbindo à vontade, mas não a qualquer vontade. Ainda não sei onde isso vai me levar, nem mesmo se sairei ileso. O fato é que algo mudou quando te vi, quando nossos olhares cruzaram. Uma ligação nunca sentida antes, algo indecifrável, indescritível, inimaginável. Estou perdido. Perfeitamente perdido, perdidamente apaixonado. E eu espero que isso dure. Trocaremos línguas, tocaremos nossas línguas. Eu direi ich liebe dich e ela responderá jet'aime.

domingo, 24 de março de 2013

Novo dia

Novamente seria uma noite longa. Podia prever que não seria uma conversa fácil. Os passos na escada anunciavam a sua vinda, mesmo que Pablo continuasse a desenhar. Ao entrar no quarto se escorou na porta e ficou apenas observando aquele homem magro e concentrado. Por um momento nada foi dito, apenas observado. Como as pequenas imperfeições da ponta de seu lápis, os traços levemente tortos e as milhares de folhas caídas pelo chão. 
- Então, vai ficar aí?
Não foi ouvida nenhuma resposta. Provavelmente a conversa tomaria rumos que todos gostariam de evitar. Mas mesmo assim era preciso, necessário. Algumas coisas na vida são necessárias, mesmo que doam muito, e por muito tempo.
- Olha, eu vou sair, e espero que você me acompanhe.
- Eu não vou a lugar nenhum - retrucou.
- E vai fazer o que? Ficar aí, desenhando a noite toda? Olhe para você, parece um fantasma. De tanto tempo que está aí parado certamente poderia se transformar em parte da mobília. Todos nós sabemos o que aconteceu, mas nada justifica vocÊ se esconder no seu quarto e transformá-la em uma caverna em que nenhuma luz ou pessoa entra. Você está muito tempo aí e precisa sair. O mundo está lá fora...
- O meu mundo acabou, faz tempo. Não há nada lá fora para mim - interrompeu-o
- Ok, e o que você fez para mudar isso? Dê uma chance a você mesmo. Dê uma chance às pessoas lá fora. Você simplesmente construiu essa realidade e aposentou a vida real, aquela que lhe pode tirar daí. Tudo o que você respira é dor, está envolto por lembranças e essas lembranças vão te matar, se é que ainda restou algo aí. Nesse quarto há um conglomerado de  memórias, sonhos interrompidos e decepções. Isso tudo o impede de seguir. Seu quarto é um reflexo seu, é um vazio cheio de coisas que não pode suportar. Você não lê mais, pois a única palavra que reconhece no momento é 'vergonha'. E essa vergonha te impede voltar a viver. Você não desenha mais pois tudo o que sabe fazer é repetir os mesmos traços do rosto dela e tudo o que você vê é distorcido, não há tanto mal assim, apenas aquilo que você carrega. Eu ainda espero que você saia desse quarto algum dia.
Pablo acordou assustado do seu sonho. Olhou para o lado e viu seus livros, olhou para baixo e visualizou suas folhas no chão. Eram 7 e meia, segundo o relógio. Levantou as persianas e abriu a janela. Deixou um pouco de sol entrar como não fazia meses. Era um novo dia.


domingo, 17 de março de 2013

Kentucky

“Olhe para você. Patético. Todas as noites você faz as mesmas coisas, lembra-se das mesmas memórias, bebe o mesmo uísque, dorme na mesma hora. É hora de tirar a poeira dos ombros, de respirar novos ares. Você não pode ficar o resto da vida nesse quarto, isolado do mundo. O seu ano sabático precisa acabar em algum momento, e até acredito que sabes disso. Uma hora ou outra as desculpas não vão mais ser o bastante. Desde Kentucky, você não lança mais nenhum livro e eu sei como é ruim a fama e ainda mais perder uma pessoa amada, mas você precisa viver.
É tudo que você precisa nesse momento e a única coisa que não está fazendo, e uma hora ou outra será obrigado a fazê-lo. Lembra-se antes dela? Você tinha uma vida, você tinha um destino e tinha esperanças e olhe o que aconteceu com você. Ela passou como um furacão e deixo apenas migalhas do que era te destruiu, como um tornado que pelo meio de uma fazenda e arrebata os pobres animais, derruba as paredes e não faz resta nada além de destroços. Você está assim faz meses, e nada mudou. As contas estão chegando, as pessoas perguntam pelo senhor e esperam te ver. Deus queira que ninguém o veja assim. Seus sentimentos são uma parnafenalha, olha-se no espelho e não sabe quem é mais. E olhe, eu sei que você tem essa tendência de ser introspectivo, mas não é necessário tudo isso, todo esse silêncio. Todos seus amigos deram um jeito na vida e você continua vivendo o mesmo momento, tolo. Buscas pelo passado como as civilizações buscam pelo Elo Perdido, como os marinheiros pela cidade de Atlantis e no final, você sabe que não irá recuperar aquilo que já passou.

É hora de recomeçar, uma hora ou outra o cavalo passará encilhado e tudo o que precisarás é coragem para subir nele. É claro que uma musculação não cairia mal, afinal, você está todo enferrujado. E trate de fazer a barba, sua pele anda branca, precisas ver um pouco de sol. Tente mais uma vez, como você tentou antes dela, como já fez outras vezes, como acreditou em situações mais difíceis, confiou quando pareceu improvável e se mostrou forte quando não precisava. Pare de pensar, imaginar, desejar que as coisas fiquem ruins novamente para ter que agir de última hora e fazer algo impensável. Passou da hora de se lamentar, é o momento de se reinventar. Todos anseiam por isso, inclusive o senhor. Eu ainda acredito nisso”. 

domingo, 10 de março de 2013

Espelho

"Ninguém conhece esses sentimentos, mas todo mundo entende. Sabe, todos dizem: “eu entendo”. Mas ninguém vagou pelo vale das sombras até isso virar o seu mundo, tudo o que você conhece. E isso arde, adentra meus músculos até chegar aos ossos. Isso me corrói por dentro, suga todas as minhas forças. Não há como me recompor ou me levantar. Esse ódio é muito maior que meu corpo e me mata, como uma rodada de facadas. Mas toda noite acaba, e surge um novo dia pela manhã. É nessa hora que eu pratico sorrisos na frente do espelho. Eu estou tentando ficar bom nisso."

domingo, 3 de março de 2013

Mulheres

As expressões femininas sempre me intrigaram. Eu nunca soube decifrá-las. Elas são um mundo a parte, como paredes de um labirinto em constante mudança, com pétalas cheias de cravos. Tão vulneráveis e tão fortes ao mesmo tempo, firmes como rochas, maleáveis como argila. Com seus sorrisos transparentes que transbordam mil sentimentos, embora escondam outras mil inseguranças. Por trás de cada olhar atento existe uma busca: do parceiro ideal, da situação financeira desejada, da tão esperada independência. Deveriam ser estudadas por cientistas, talvez esse sim seja o grande segredo do universo.
As mulheres comandam o mundo. As mulheres podem levar um homem à falência. Regem regras nessa nação, a moda, a beleza, a ditadura, a tendência, desde Helena de Troia, Cleópatra, Joana D’arc. Indivíduos tão perigosos, tão dissimulados, portadoras de mil e uma faces. Kennedy, Obama, Jesus, quem seriam esses homens sem as mulheres? Capazes de nos dar prazeres inimagináveis, trazer dores inacabáveis, musas para os poetas, inspiração para escritores, motivação para qualquer homem em qualquer idade. Diabos vestidos em vestidos que os caem tão bem, tão bonitas em suas curvas, sutis em seus traços, belas em seus defeitos.
Esses seres sempre regeram a minha vida, do princípio até hoje, comandando meus pensamentos, ações, ideias. Eu sou apenas um escravo da beleza de todas, encantado como uma criança que vê o céu pela primeira vez. Seres que nasceram para distribuir amor, aos maridos, aos filhos e aos netos, mas que se mostram tão resistentes a entregar esse sentimento, quando no fundo um dos seus maiores desejos é esse: ter a quem acolher, a se deixar levar, a partilhar o seu mundo.

Eu sou um tolo, um grande tolo em relação à essas criaturas divinas. Eu nunca saberei o que se esconde atrás de pequenos sinais, mas continuarei um pueril enfeitiçado pela sua beleza, por suas dores, sonhos e conquistas. Todas as mulheres da minha vida me encheram de certezas e então me cobriram de dúvidas. Cada mulher é um continente a ser desvendado, uma ilha de segredos, um universo paralelo de infinitas possibilidades.