Novamente
seria uma noite longa. Podia prever que não seria uma conversa fácil. Os passos
na escada anunciavam a sua vinda, mesmo que Pablo continuasse a desenhar. Ao
entrar no quarto se escorou na porta e ficou apenas observando aquele homem
magro e concentrado. Por um momento nada foi dito, apenas observado. Como as
pequenas imperfeições da ponta de seu lápis, os traços levemente tortos e as
milhares de folhas caídas pelo chão.
- Então,
vai ficar aí?
Não foi
ouvida nenhuma resposta. Provavelmente a conversa tomaria rumos que todos
gostariam de evitar. Mas mesmo assim era preciso, necessário. Algumas coisas na
vida são necessárias, mesmo que doam muito, e por muito tempo.
- Olha,
eu vou sair, e espero que você me acompanhe.
- Eu não
vou a lugar nenhum - retrucou.
- E vai
fazer o que? Ficar aí, desenhando a noite toda? Olhe para você, parece um
fantasma. De tanto tempo que está aí parado certamente poderia se transformar
em parte da mobília. Todos nós sabemos o que aconteceu, mas nada justifica vocÊ
se esconder no seu quarto e transformá-la em uma caverna em que nenhuma luz ou
pessoa entra. Você está muito tempo aí e precisa sair. O mundo está lá fora...
- O meu
mundo acabou, faz tempo. Não há nada lá fora para mim - interrompeu-o
- Ok, e o
que você fez para mudar isso? Dê uma chance a você mesmo. Dê uma chance às
pessoas lá fora. Você simplesmente construiu essa realidade e aposentou a vida
real, aquela que lhe pode tirar daí. Tudo o que você respira é dor, está
envolto por lembranças e essas lembranças vão te matar, se é que ainda restou
algo aí. Nesse quarto há um conglomerado de memórias, sonhos
interrompidos e decepções. Isso tudo o impede de seguir. Seu quarto é um
reflexo seu, é um vazio cheio de coisas que não pode suportar. Você não lê mais,
pois a única palavra que reconhece no momento é 'vergonha'. E essa vergonha te
impede voltar a viver. Você não desenha mais pois tudo o que sabe fazer é
repetir os mesmos traços do rosto dela e tudo o que você vê é distorcido, não
há tanto mal assim, apenas aquilo que você carrega. Eu ainda espero que você
saia desse quarto algum dia.
Pablo acordou assustado do seu sonho. Olhou para o
lado e viu seus livros, olhou para baixo e visualizou suas folhas no chão. Eram
7 e meia, segundo o relógio. Levantou as persianas e abriu a janela. Deixou um
pouco de sol entrar como não fazia meses. Era um novo dia.
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