Cap I (Dia
1)
John é um
filho dessas estradas asfaltadas, uma cria do deserto. Ninguém ao certo sabe de
onde ele veio e pra onde vai. Ele apenas vai e vem, em busca de algo que nunca
vai achar. Sempre viajante, sempre se mudando, sem deixar rastros ou criar
laços. Não tem amigos, nem mulheres, mas tem respeito. Este, conquistado por
seu jeito truculento, olhar de cigano e sua cara fechada. Seus braços cheios de
tatuagens provocam arrepios em Nevada, sua moto desperta a inveja dos homens
nas mesas de bares. Na solidão sua melhor amiga, é perfeitamente só. Há lendas
de que ele teve uma mulher que morreu, fazendo com que John não mostrasse mais
sentimento algum.
Mesmo
sendo um dia incomum, ele fez o que faz quase todos os dias quando não está
viajando: foi ao bar tomar uma dose de uísque. Olivia, a atendente, já vai
preparando a dose ao vê-lo entrar no bar. Mas esse não era um dia qualquer e ao
ouvir a voz de John, ela deixou o copo cair. Envergonhada, limpou o chão e
trouxe a dose. Em 10 anos ela ouviu a voz dele apenas em 3 ocasiões, e em
todas elas a noite acabou mal. Olivia observava John atentamente e os sinais
não poderiam ser piores. Suas mãos tremiam e suavam, John volta e meia fechava
os olhos e os abria como se estivesse fazendo um enorme esforço. Ele ajeitava a
gola de sua camisa como se fosse uma corda no pescoço o sufocando. Havia uma
coceira em sua garganta, queria falar e Olivia notava aquilo. Era um dia
estranho e ele que no máximo disparava meias palavras ou frases incompletas
parecia ter um discurso decorado.
No Bar
Bauhaus, ele era uma figura ilustre, quase de casa, conhecia todos, todos
conheciam John, quase uma família que ele nunca teve, pelo menos em seus
relatos. Mas todos sabiam o episódio mais trágico de seu passado obscuro: a
morte de sua esposa. Eles eram como Bonnie & Clyde, uma dupla perfeita.
Completavam-se como irmãos, eternos amantes e cúmplices de assaltos e roubos,
nunca errando o tempo, sempre se safando das autoridades. Até aquele maldito
dia em que tudo deu errado. Eles nunca erravam o timming, mas naquele dia John
perdeu segundos, pequenos segundos que fizeram toda a diferença. Por segundos,
sua amada Laura poderia estar viva, poderia agora estar em seus braços,
poderia... Porém, John errou o tempo, e no tiroteio, aquela bala acertou em cheio
Laura que caiu de sua moto já morta.
Foram anos
na solitária até ser solto. E em todos os dias ele se lembrava do mesmo dia.
John chegou a viajar o país inteiro, sendo transferido de cadeia em cadeia.
Mesmo virando um homem livre, John nunca conseguiu se ver livre de seus
demônios internos e a bebida, era a sua saída. Alcoólatra alguns diriam,
para outros um amante do uísque. O certo é que John nunca foi o mesmo depois
daquele dia, vivendo por dias de ócio puro e noites de embriaguez em que ele parava
em cidades desconhecidas sem saber o que tinha feito anteriormente. Ele era uma
alma perdida sem rumo algum, tinha um emprego, mas não tinha raízes. Era dono
da sua liberdade, mas prisioneiro do seu passado e dentre todas as mulheres que
ele provou, nenhuma conseguiu fazê-lo esquecer de Laura.
Naquela
noite, no Bar, Olivia sabia que John provavelmente iria discorrer como uma
cachoeira descarrega suas águas para baixo, mas não queria parecer atenta ao
seu desespero, mesmo que visse os olhos marejados de John. Foi aí que John
abriu a boca, mas era baixo demais para ela ouviu.
- O que
falou John?
Novamente
um murmuro rouco. Aquele homem que sempre ostentou força parecia não conseguir
abrir a sua boca.
- John,
você está bem? - Indagou Olivia
E tudo que
ela ouviu como resposta foi um choro. John chorava copiosamente. Ao ver Olivia
se aproximar ele pegou seu chapéu e saiu em ritmo disparado, como nos velhos
tempos, como se ela fosse a Polícia.
Ao chegar
no Hotel, pegou sua chave e abriu sua porta. Trancou a fechadura e foi
deslizando até se sentar no chão olhando para a parede como se a gravidade o
puxasse com toda força para baixo. Um pequeno filme passou em sua cabeça, ao
ver que tinha passado os 5 últimos anos em branco, sem emoções, sem lembranças,
sem acontecimentos e sem viver, principalmente. Seu hobby, a literatura, foi
esquecido, as armas nunca mais dispararam uma bala, mesmo que sempre carregasse
em seu cinto e seu rosto, nunca mudou de expressão. John parecia um velório
andante, um morto-vivo sem alma. Em seu passeio por noites adentro fez alguns
amigos que parecem mais imaginários do que os que fez na infância, experimentou
beijos molhados que não tocaram em nada o seu coração seco. John se debatia,
quebrava móveis até chegar ao banheiro, onde se olhou no espelho. Aquele foi um
olhar para dentro de sua alma, se é que ainda tinha alguma. Naquele momento ele
decidiu: iria cometer suicídio.
Pegou as
balas, carregou a arma e apontou para sua cabeça. O cano gelado parecia falar
com aquele homem à beira da insanidade, pedindo que ele fizesse, pedindo que
ele puxasse o gatilho:
- Vamos, você
não vai perder nada. Deixe sua vida vazia aqui.
As
lembranças de Laura passavam pela sua cabeça e tudo que pensava era em acabar
com o pouco de vida que restou à ele. E finalmente ele parecia decidido, iria
fazer de uma vez por todas. Um rápido olhar para a arma e então apontou em
direção a sua boca.
Foi então
que ouviu um barulho, mas não era um barulho comum, Por um momento pensou que
estivesse surdo. Ao abrir os olhos viu metade do seu quarto em pedaços. Nada
mais importava naquele instante, nem a arma ou a possibilidade de se suicidar.
Os céus ardiam em chamas e a noite que antes era tão negra foi dominada por
pontos luminosos que iam em direção à Terra. Abismado, ele avistou quase a
cidade toda em chamas. Os moradores que resistiram a essa chuva de objetos
desconhecidos vindos do céu, saiam de suas casas e foi aí que encontrou Olivia
com escoriações leves na grama. Ajudou-a à levantar com alguma dificuldade
quando viram a bola de fogo que havia iniciado tudo isso.
Parecia
idiota, mas eles sabiam que não era incomum que alguns meteoros de tempos em
tempos caíssem na Terra. Em média, eram pequenos, eram meteoritos, mas ninguém
poderia imaginar que algo tão grande chegasse até aqui. Pessoas feridas,
pessoas sangrando, alguns choravam e outras estavam rezando. Nevada seria o
ponto inicial do final do mundo, e ele começaria hoje.
Cap II
Ficamos
atônitos por alguns segundos, tentando entender o que recém havia acontecido. O
silêncio era gritante, ouvia-se apenas o som das chamas. Ninguém sabia o que
esperar, nem o que pensar. Comemorar por estar vivo ou chorar por quem morreu?
Agradecer pela chuva de meteoros ter parado ou se manter equilibrado e atento a
qualquer sinal? Se apegar em uma crença ou manter-se cético diante de tudo que
passou?
Acontecimentos
como estes costumam fragilizar o emocional das pessoas, as deixa em pânico e
algum tem um tipo de epifania. Em meio a destruição, John mantinha neutro, sem
mudar expressão alguma. Parecia estar preparado para qualquer coisa, matar ou
morrer, mas principalmente para morrer.
- Vamos
Olivia, levante-se. - Ordenou John.
- Você
está louco? Para onde iremos? Como vamos ir? Não está vendo a minha perna?
Você quer
morrer aqui, hein? Me diga! O que nos resta a fazer aqui? Como sabes que não
vão acontecer novamente? – Gritou John, em um tom ensurdecedor. Em 10 anos, ela
nunca escutou aquele homem falar de um jeito tão forte. Não precisaria de um
outro convite, ela apenas levantou com dificuldades, auxiliada de uma forma
bruta por aquele homem que a cada momento mostrava uma nova face. O ar de
desamparo pairava sob suas cabeças e não havia nada a fazer, ou até havia, ir
embora era a decisão mais sensata que ambos tiveram naquela noite. Tomada a
decisão, estava na hora de caminhar, e assim foi, por milhas e milhas eles
seguiram um rumo desconhecido. A cada metro completado, um olhar para trás e como
em uma infinita highway, seus passos pesados pareciam não levar à nenhum final.
- John, minha
perna está sangrando demais! – Exclamou a sua companheira de viagem, que não
conseguiu chamar a atenção, até desabar no chão.
Ele estava
brabo, resmungou um pouco e então sentou no chão cheio de pedras e areia. Ela
apenas o observava à distancia. John saiu caminhando, deixando-a indefesa no
meio de oásis vazio. Seus gritos de nada adiantaram, e aos poucos seu corpo
parecia um vulto imerso na escuridão. Minutos de apreensão. Aquela mulher era
uma presa fácil para qualquer um ou qualquer coisa. Animais selvagens?
Bandoleiros? Ruídos faziam seu coração acelerar, afinal, se algo acontecesse
nada poderia fazer, nem fugir. Olivia gritou o nome de John alto algumas vezes
em vão, entendeu que estava apenas por si mesma ali. Recolheu-se em um canto, o
coração palpitava e ela se sentia cada vez menor. Minutos se passaram e ele
chegou com alguns pedaços de pau e rochas. Não disfarçava sua raiva, mas o
sentimento de alívio por não estar sozinha era maior que o ódio de ter sido
exposta à essa situação. As mãos de John começaram a se mexer e uma fogueira
começava a tomar forma. Depois de um pouco de insistência, o fogo aos poucos
começava a crescer. Ambos estavam cansados. Não era o melhor lugar para se
dormir, nem tinham alimentos ou água, mas algumas horas de sono eram essenciais
para seguir a jornada no outro dia. E assim se fez, com John de um lado da
fogueira e Olivia de outro.
Cap III
(Dia 2)
Um barulho
no ar e as moscas rodeando o rosto de John o acordaram. Atordoado, ele coçava
os olhos que se abriam lentamente com dificuldades. Olhou para os galhos todos
queimado, restava apenas a fumaça da fogueira da noite anterior. Seus olhos
procuravam por Olivia, que estava à alguns metros de distância, rodeada por
corvos que pareciam prontos para fazer de sua perna a refeição do dia. Ele
acordou e foi cambaleando ao encontro dela, tentando espantá-los com gritos. O
dia já começava difícil e esse era um demonstrativo de que as coisas iriam ser
piores.
A busca
por um pouco de água, e com alguma sorte, alimentos era incessante. Algumas
horas caminhando entre o interior de Nevada e a próxima cidade. As rochas
sedimentares serviam de apoio e o terreno montanhoso fazia a caminhada ser cada
vez mais cansativa para ambos que pareciam esgotados mesmo que o dia tivesse
recém começado. Faziam pausas de 30 em
30 minutos, nesse intervalo de tempo, John procurava se orientar em meio ao
nada, tentando adivinhar que horas eram pelo sol. Os pés doíam, as pernas
pareciam não aguentar mais, o sol castigava e a busca por mantimentos acabou
fracassando. Foi assim durante a tarde toda. Sem nenhum sinal de vida, nem
animais, o que era estranho demais, mas dados os últimos acontecimentos, era
compreensível de certa forma.
Ao
entardecer acharam um pequeno riacho, aquilo valeu o dia. A alegria de
encontrar um pouco de água compensava a longa peregrinação feita por aqueles
dois no meio do nada. Olivia percebeu o sorriso de John ao se banhar e ele
retribuiu o sorriso. Ambos gargalhavam como se tivessem achado um tesouro. Em
meio a tudo, isso mantinha a esperança de sobreviver. O instinto humano falava
mais alto, eram guerreiros, eram sobreviventes, passando por obstáculos cada
vez maiores. Por um momento até se pensou que aquilo acabaria bem, que ambos
iriam conseguir, pelo menos, um deles.
Dia 3
A ferida
na perna de Olivia parecia não cicatrizar. Algumas larvas eram vistas na
superfície da pele arranhada. Olivia sentia repulsa e toda vez que olhava para
o local sentia seu estômago na garganta, por vezes vomitou. John procurava
pensar em alguma solução. Foram alguns momentos de silêncio até que ele passou
os dedos pelo lugar, fazendo Olivia se contorcer de dor. Para seu espanto, ele
pegou 3 pequenas larvas e comeu. Ela olhou aquela cena com um misto de nojo e
raiva. Antes que pudesse falar algo, ele tratou de explicar calmamente:
- Não
temos comida. Larvas tem grande valor calórico. Se quiser sobreviver, vai ter
que comer, antes que elas comam sua perna. – E acabou a frase com um pequeno
sorriso.
Mesmo que
quisesse xingá-lo, ele tinha razão. Não foram poucas as tentativas, mas depois
de fracassar em algumas ela engoliu as larvas. Depois de uma pequena refeição,
novamente a caminhada começava. Olivia se apoiava em John, cada vez mais com
dificuldades de andar.
Horas vagando.
Sol escaldante. Por vezes apareciam algumas nuvens. Tudo indicava que estavam à
caminho de Las Vegas. Ao caminhar ambos observavam que Nevada não foi o único
lugar bombardeado pela chuva de meteoros.
Pedras.
Muitas pedras, de todos os tamanhos, gigantes, grande e algumas pequenas.
Meteoritos estavam em maior número, mas não era isso que os preocupava. Fumaça
e larva podiam ser vistos dos meteoros grandes. Não chegava ser em grande quantidade,
mas aquilo fazia o clima ficar mais árido. Estranho, incomum, um fenômeno diferente de
qualquer coisa vista. O pouco conhecimento que tinham sobre pedras vindas do
espaço dizia que lava não era normal, muito menos um bom sinal. Mesmo assim,
não havia tempo para se preocupar com isso, encontrar pessoas e buscar
alimentos eram as prioridades da lista e foi isso que fizeram. Desidratados, o
que os sustentava era a esperança de que algo surgisse. Toda noite Olivia
rezava baixinho, John não se apegava a nada, não acreditava em nada, nem eu sua
parceira naquele episódio. A sua reza pouco adiantava, mas nos momentos de
fraqueza todos somos iguais, todos acreditamos em algo ou alguém. Para ela,
Deus estava do lado deles, os guiando. Para ele, nada mais era do que um outro
dia, um dia péssimo atrás de outro dia pior ainda. John pouco falava, mas
Olivia confiava nele, ela se apegou à ele. Por vezes ele até falava mais do que
uma ou duas frases, se davam bem e como não poderiam? Eram as únicas pessoas
naquela caminhada. Tinham deixado alguns conhecidos em sua cidade, uns vivos,
outros mortos. A coragem e a calma de John eram o trampolim que os
impulsionavam naquela caminhada. O bom humor de Olivia era reconfortante para
ele, mesmo que ela estivesse com uma perna quase deteriorada. Novamente, era
quase noite. Ambos dormiam quase lado a lado. Eles esperavam pelos últimos 3
dias daquela jornada.
Cap IV
(Dia 4)
Como em
todos os outros dias John acordou lentamente, achando que havia sido o
primeiro, para sua surpresa Olivia tinha se antecipado dessa vez. Algumas
frutas seriam o bastante para aquele dia.
- Bom dia,
como dormiu? – ela perguntou
- Estamos
no fim do mundo, como achas que dormi? – O seu mau humor era uma rotina e nem
afeta-a mais.
Ignorando
isso, ela o ofereceu umas frutas e ele aceitou. Em 30 minutos eles começavam a
se ajeitar para outro longo dia. Com uma leve chuva e nuvens carregadas ambos
comemoravam, afinal, depois de dias de calor infernal, nada melhor que uma
mudança de temperatura.
A chuva
aos poucos se tornava grossa, tornando alguns pontos arriscados. Descidas de
lugares rochosos eram evitadas, assim como subir em áreas montanhosas. Tal
escolha fazia o caminho percorrido parecer um ziguezague. Por vezes Olivia
derrapou e foi salva pelo braço forte de John e seus reflexos rápidos. Aquilo
que antes era uma chuva aos poucos se tornava um temporal, e dos fortes. Água
foi aquilo que mais procuravam, mas dessa vez ela era sua maior inimiga. O
vento colaborava para criar um cenário ainda mais desfavorável. Por mais que
ele fosse forte, estava caminhando por dois. Ela não conseguia apoiar o pé com
firmeza no chão, o tempo não cessava. A melhor ideia era procurar um lugar para
se abrigar até o temporal passar. Uma cabana seria perfeita, mas não havia
cabanas, nem casas ou lugares possíveis. Tinham algumas cavernas, e com um
grande esforço ambos chegaram nela. A impulsão de John foi essencial para
carregar Olivia, mesmo que com alguns arranhões no percurso.
Era frio,
as suas roupas estavam encharcadas da chuva. Ela se debatia de frio, poderia
pegar pneumonia. John teria que aquecê-la. Ambos se deitaram encostados em uma
das paredes, enquanto viam os céus pegarem fogo. A chuva de meteoros agora era
vista de camarote. O silêncio predominava. As gotas caindo, a chuva respingando
no rosto de John não tirava a atenção dele ao ver aquelas bolas de fogo. Ele
olhava incrédulo para aquele espetáculo da devastação. Eram cada vez maiores,
eram cada vez mais frequentes. Em um momento de pequena pesquisa interna, ele
entendeu que aquilo não eram meteoros e sim asteroides. A caverna tremia e por
vezes Olivia gemeu de medo daquela situação. Asteroides, meteoros, dilúvio, o
que mais faltaria? A madrugada passou, ela conseguiu dormir, mas John não. Ele
sabia que as coisas iriam piorar cada vez mais. Ele pressentia algo. Ao
observar Olivia dormir ele repassa em sua cabeça os últimos episódios. Seria
aquilo um motivo para se manter vivo? Seria ela a sua última missão na Terra?
Eram
muitas perguntas e nenhuma resposta. Naquela noite lágrimas finas escorriam de
seu rosto. Por tanto tempo ele desejou que a morte o levasse e agora tudo o que
ele queria era viver, novamente, ele tinha um motivo para viver. Em meio aos
questionamentos e com um olho em Olivia e outra nos céus, ele adormeceu
esperando que o outro dia trouxesse respostas para suas perguntas.
Dia 5
Ambos
acordaram em meio à um tremor. A terra tremia e aquilo foi o despertar que
precisavam. Haviam rachaduras no chão e as bolas de fogo soltavam lava por seus
buracos. John desceu e abriu os braços para auxiliar Olivia. Tudo ia dando
certo até um cacto perfurar a sua perna já machucada. Ela urrou de dor. Foi um
grito ensurdecedor de desespero. Ele sabia que um obstáculo a mais ira
dificultar as suas vidas. Em um movimento rápido ele a segurou e colocou em
seus braços. De agora em diante, teria que ser assim, ela seria carregada.
Aquele
homem parecia ter uma força sobrenatural. Por mais que os seus joelhos
fraquejassem e a terra tremesse ele mantinha a compostura. O chão abria a cada
10 metros, o que os fazia mudar de direção. Não era mais possível prosseguir,
não adiante. Aquele quebra-cabeça de rochas afundando, desabando provocava
pânico em Olivia. Em um desses movimentos bruscos eles caíram junto com a
superfície. Um desmoronamento de proporções inimagináveis aconteceu, e eles
estavam ali, no lugar errado e na hora errada. Foram levados em direção ao
subsolo como se estivessem em uma cachoeira. Ambos desacordados, ambos
machucados e soterrados até o pescoço por pedras.
Cap V (Dia
6)
A
claridade do dia invadia todos os espaços possíveis. A luz batia no rosto sujo
e cheio de poeira de John, Olivia se mantinha desacordada. Ele aos poucos
começava a se lembrar de como chegaram ali. Os músculos de seu corpo doíam e
pela primeira vez ele parecia impossibilitado de levantar pelas pedras pesadas
em cima de ambos. Olivia não acordava mesmo que ele estivesse berrando sem
parar o seu nome. Após diversas tentativas, ele conseguiu. Meio em estado de
choque, sua primeira reação foi tentar tirar as pedras que pareciam estar
colocadas perfeitamente em cima do seu corpo com o intuito de não deixa-la
levantar. A irritação se transformou em lágrimas enquanto John se mantinha
calmo. A força descomunal não parecia estar com ele naquele momento. E mais, se
eles conseguissem tirar as pedras, como iriam seguir se Olivia estava impedida
de andar? Era algo quase impossível, não havia o que fazer menos para ela que rezava
em voz baixa, assim como rezava todas as noites. Foram horas olhando para o céu
azul, quase sem nuvens. Aquele parecia ser o melhor cenário para ser apreciado
enquanto esperavam a morte.
É incrível
que passemos a nossa vida toda imaginando a cena de nossa morte e quando ela
vai acontecer não se parece em nada com o que a nossa mente criou. Ela tinha o
sonho de morrer velhinha em sua cama, enquanto dormia. John nunca foi de sonhar
em morrer, ele apenas desejava morrer, a forma? Não interessava desde que isso
acontecesse. Nem ao menos em Las Vegas chegariam, mas não seria nada mal morrer
naquele momento, ainda que nutrissem esperança de que fosse possível reverter à
situação. Enquanto ela rezava, ele trabalhava. Em 2 horas metade das pedras
haviam sido tiradas. Suas mãos eram uma mistura de poeira com sangue. Ao ver
aquilo, Olivia tratou de buscar forças e ajudar seu companheiro. E foi assim
que pedra por pedra ambos conseguiram se safar de uma das armadilhas que aquele
dia tinha preparado.
A última
pedra era a mais complicada. Posta bem em cima da perna quebrada de Olivia,
John não teria como tirar sem forçar o lugar.
- Pare!
Está doendo demais. – Gritava ela em meio a choros compulsivos
Ele
ignorava qualquer coisa dita por ela e continuava tentando. Foi preciso mais de
30 minutos para conseguir tirá-la. Ensanguentada, a sua perna parecia ter
passado por um moedor de carne. Ao menos a chuva que caía refrescava a sensação
de ardência na perna de Olivia.
-
Precisamos subir. Essas pedras podem sair do lugar, mas precisamos tentar. –
Disse John como estivesse mandando um recado que foi entendido por ela na hora.
A chuva se
intensificava e a dor de ambos também. Pedras rolavam para baixo, ambos
deslizavam. Um terreno molhado e irregular era o que menos precisavam. Ao mesmo
tempo em que a água que desabava dos céus limpava suas almas, era sua maior
inimiga e penitência. Eles se revezavam: por vezes Olivia caia e em outras,
John. Os céus ficavam negros e eles pareciam estar horas encarando aquele
pedregulho. Metros eram vencidos de hora em hora. Olivia aguentava bem, ele se
preocupava com meteoritos que caiam, já prevendo o que vinha em frente. O céu
emergia em chamas. Por vezes meteoritos caiam perto deles, mas nada os desanimavam
agora que estavam perto da saída. O instinto de sobrevivência falava mais alto,
aquela dor seria recompensada, arranhões seriam passageiros, o que valia era
sair desse buraco que teimava em puxá-los para baixo. Não foram nem um, nem
duas tentativas, mas ambos resistiam bravamente. Até que a perna de Olivia não
resistiu. Ela despencou 5 metros, John não foi rápido a tempo de conseguir
segurá-la. Agora tudo construído tinha sido em vão, teriam que recomeçar.
Final
A dor
prevalecia, mas John a incentivava com palavras, era arriscado demais descer,
ambos poderiam cair. Quando estavam perto, os dois estenderam as mãos para ele
a puxar, mas foi em vão. Mais duas tentativas até conseguir. Havia um sorriso
no rosto de cada um, eles tentariam sair de lá novamente. Nem observavam o céu,
nem ligavam pelo fato do chão tremer como estivesse em meio a um terremoto. Ele
ia à frente, ela seguia seus passos. Faltava apenas mais um pouco, metros, centímetros.
John sorria, e dizia: Vem. Olivia sorria. Ela parecia uma criança, ambos
pareciam crianças brincando. Ela olhou novamente para cima, ele se concentrava nas
rochas. Eles se olharam mais uma vez, porém Olivia não parecia feliz. Ela
parecia surpresa, estupefata, com a boca aberta e os olhos arregalados. Os seus
olhos foi o que mais chamou atenção. A cor azul deles deu lugar a um vermelho. Foi
então que um asteroide acertou em cheio John.
Sabe
aquela história de que um raio não cai no mesmo lugar duas vezes? É mentira. 30
metros afundaram-no na terra. Olivia ainda sentia o vento na cara daquele
objeto enorme que recém havia passado em sua frente. Pedras voaram em sua
direção, já John, devia estar morto. Não havia como sobreviver à aquilo. E
assim a jornada dos dois acabaria, nem todos sobreviveriam.
É irônico pensar
que John morreu sorrindo. Ele que tantas vezes pediu para tirarem sua vida, ele
que estava prestes a cometer suicídio quando tudo isso aconteceu, tinha acabado
de receber aquilo que pediu por anos. Recebeu justamente no momento mais feliz
em tempos. É incrível como a vida é injusta. Ele não era um homem mau, havia
cuidado dela, se não fosse por ele, não estaria viva. Olivia entrou em choque,
não chorava, não tremia, apenas olhava para aquele asteroide. Esse era o fim de
um homem de bom coração. Talvez o fim chegasse para ela em breve, mas naquele
momento ela apenas pensava em John. Reuniu forças para conseguir falar.
A voz
rouca parecia não querer sair. Ele deu sua vida por ela. Ao subir o último
metro, olhou para trás e agradeceu:
- Obrigada, John.