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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Farrapos

            Todos os caminhos pareciam me levar a aquele prédio de má manutenção. No meio da caminhada retomava meus pensamentos e motivos para estar adentrando aquela área. A calçada concentrava todos os tipos de lixos, até humanos. O bairro pobre e sujo parecia uma cidade medieval. Meus passos largos e rápidos eram avistados pela vizinhança. Os olhares receosos dentro das casas, por trás das cortinas. Eu rumei àquele prédio em ruínas, um reflexo do meu estado emocional. Coloco para dentro de mim todas as dúvidas que se agarravam nas minhas roupas desesperadas para sair. Os olhos pesados e a respiração ofegante ficavam mais fortes com o barulho dos passos naquela escada de tinta verde descascada. O primeiro andar já tinha sido percorrido e faltava mais um.
            A porta aberta era um convite. Os inúmeros papéis pareciam ter sido colocados a mão no chão após uma breve tormenta. Uma escrivaninha pequena enfeitava a sala, assim como um sofá jogado decorando aquela taverna. A sensação térmica apontava uns cinco graus. Pinturas nas paredes para tapar a boca delas. Aqueles muros pareciam gritar, a mesa sussurrava por alguns retalhos, o banheiro implorava por mais espaço. Tudo no diminutivo, um mini labirinto onde até mesmo as peças ali se perderam, definharam.  Nada harmônico e embora tivesse vindo aqui outras vezes, nesta ocasião parecia diferente. Todos os móveis previam o meu adeus e choravam pelo abandono. Passei meus dedos suaves que se impregnaram de pó. O móvel dava a impressão de não conseguir respirar tamanha a camada de pó em cima de seus pulmões.
            Meu destino era a varanda. Passei despercebidamente pelo estreito corredor e o encontrei. Garrafas caídas, quebradas, jogadas. Cinzas por todas as partes. Poderia ser dele, mas eram do cigarro em seus dedos. Os olhos fortes remetiam a uma expressão de eterno alerta. Cabelos lisos penteados para trás, ainda molhados. A regada mal cobria o tórax deixando os pelos do peito à vista. A barba desgrenhada e a rebelde sobrancelha contornavam a testa que denunciava os seus trinta e cinco anos, e eu, uma jovem de vinte e um anos. Jogou o cigarro para fora, sabia que eu odiava cigarros e o ato de fumar em si. Nenhuma palavra dita, embora aqueles olhares delatassem uma visceral ligação entre os seres encontrados naquela varandinha vagabunda.
            A noite passada havia sido horrível. Assim como as que antecederam essa. O calor da troca de ofensas havia instaurado um muro de acusações, moldada pelo orgulho e a indecisão como cimento. Para quebrá-lo não era necessária força, mas sim, acertar o pragmático ponto. Palavras foram jogadas como granadas naquele pesaroso conflito. Novamente outro aconteceria. Suas frases eram pontuadas com espaçosos suspiros. O primeiro a levantar o dedo e apontar, era guerra.
Você quer ter um relacionamento, mas não suporta estar em um, resmunguei entre o choro compulsivo. Não é possível que agora você retome algo que já discutimos, Wladimir bradou. Se queres, vá ou me deixe ir.  A minha constatação era racional. Nada é pior que estar encurralada em um limbo. Inúmeros relacionamentos se parecem com um divisor de águas revoltosas descendo o rio.
      Tudo se encaminhava para um inevitável desfecho com a iminente ruptura até que as mãos dele colaram no meu braço. O toque despertara algo que já conhecia embora fosse incapaz de refutar o que traria. O vestido era somente um pano abnegado pelos braços grossos. Os calcanhares em contato, as peles se comunicando. A barba em cima do pescoço nu forçava a rendição. Aquele ogro maltrapido quase farrapo possuía um mapa de suas zonas erógenas. De costas para ele, era inevitável o beijo censurador de todas as ofensas anteriormente ditas. O silêncio consumado entre ambos seria brutalmente quebrado pelos movimentos incessantes de afagos e beijos calorosos. O vestido se deixava levar lentamente como o desmoronamento da barreira entre ambos. A pergunta feita foi respondida na troca de olhares. A minha boca pequena recebeu outra vez um caloroso beijo seguido de um tapa na bochecha rosada. Rígido o seio nu apontava para cima ambicionando a boca terna e a companhia da barba.
            As calças baixas arriadas eram seguradas pelo cinto. Deitada eu esperava-o como a presa espreita o abate. A entrada rápida fez meus olhos revirarem. A respiração ofegante e as unhas procurando cavoucar as costas eram a minha resposta. Aflição e prazer. O balbucio de excitação escondido entre os olhos verdes expressivos e os três sulcos da testa enrugada. Seu fôlego era magistral para um homem mais velho. Puxara minhas pernas para os lados e entornara a encontrar o clitóris que fora encontrado em poucos segundos. A enorme experiência certamente fazia aquele exercício parecer fácil. As mãos percorriam os meus seios. O latente encanto pelo meu corpo se transformava em uma violenta retribuição. Ele entrava com tudo. Instantes de gozo e tudo voltava à realidade. Fazer sexo com ele se baseava em picos de adrenalina como andar em uma montanha russa formava somente por longas curvas. Nunca sabia o que sentia por mim. Não sabia diferenciar seu amor e tesão. Era impossível responder se aquilo era um caso marcado pela paixão ou uma futura história de amor. Ao menos, ele trepava bem.
            Deitada ao seu lado, acariciando seus cabelos despenteados meus olhos percorriam a vastidão do mundo em que nos encontrávamos. Parecíamos longe de qualquer um e qualquer coisa. Vi-me então no espelho. As roupas maltrapilhas no chão, misturadas e quase que escondendo meu vestido. A expressão de prazer, do gozo, daquele inefável acontecimento. Tornei a olhá-lo. Maltrapido como um farrapo. Vi-me novamente em frangalhos. Farrapos.

*conto produzido para o Jornal Unicom.

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