Todos
os caminhos pareciam me levar a aquele prédio de má manutenção. No meio da
caminhada retomava meus pensamentos e motivos para estar adentrando aquela
área. A calçada concentrava todos os tipos de lixos, até humanos. O bairro
pobre e sujo parecia uma cidade medieval. Meus passos largos e rápidos eram
avistados pela vizinhança. Os olhares receosos dentro das casas, por trás das
cortinas. Eu rumei àquele prédio em ruínas, um reflexo do meu estado emocional.
Coloco para dentro de mim todas as dúvidas que se agarravam nas minhas roupas
desesperadas para sair. Os olhos pesados e a respiração ofegante ficavam mais
fortes com o barulho dos passos naquela escada de tinta verde descascada. O
primeiro andar já tinha sido percorrido e faltava mais um.
A
porta aberta era um convite. Os inúmeros papéis pareciam ter sido colocados a
mão no chão após uma breve tormenta. Uma escrivaninha pequena enfeitava a sala,
assim como um sofá jogado decorando aquela taverna. A sensação térmica apontava
uns cinco graus. Pinturas nas paredes para tapar a boca delas. Aqueles muros
pareciam gritar, a mesa sussurrava por alguns retalhos, o banheiro implorava
por mais espaço. Tudo no diminutivo, um mini labirinto onde até mesmo as peças
ali se perderam, definharam. Nada
harmônico e embora tivesse vindo aqui outras vezes, nesta ocasião parecia
diferente. Todos os móveis previam o meu adeus e choravam pelo abandono. Passei
meus dedos suaves que se impregnaram de pó. O móvel dava a impressão de não
conseguir respirar tamanha a camada de pó em cima de seus pulmões.
Meu
destino era a varanda. Passei despercebidamente pelo estreito corredor e o
encontrei. Garrafas caídas, quebradas, jogadas. Cinzas por todas as partes.
Poderia ser dele, mas eram do cigarro em seus dedos. Os olhos fortes remetiam a
uma expressão de eterno alerta. Cabelos lisos penteados para trás, ainda
molhados. A regada mal cobria o tórax deixando os pelos do peito à vista. A
barba desgrenhada e a rebelde sobrancelha contornavam a testa que denunciava os
seus trinta e cinco anos, e eu, uma jovem de vinte e um anos. Jogou o cigarro
para fora, sabia que eu odiava cigarros e o ato de fumar em si. Nenhuma palavra
dita, embora aqueles olhares delatassem uma visceral ligação entre os seres
encontrados naquela varandinha vagabunda.
A
noite passada havia sido horrível. Assim como as que antecederam essa. O calor
da troca de ofensas havia instaurado um muro de acusações, moldada pelo orgulho
e a indecisão como cimento. Para quebrá-lo não era necessária força, mas sim,
acertar o pragmático ponto. Palavras foram jogadas como granadas naquele
pesaroso conflito. Novamente outro aconteceria. Suas frases eram pontuadas com
espaçosos suspiros. O primeiro a levantar o dedo e apontar, era guerra.
Você quer ter um relacionamento, mas não
suporta estar em um, resmunguei entre o choro compulsivo. Não é possível que
agora você retome algo que já discutimos, Wladimir bradou. Se queres, vá ou me
deixe ir. A minha constatação era
racional. Nada é pior que estar encurralada em um limbo. Inúmeros
relacionamentos se parecem com um divisor de águas revoltosas descendo o rio.
Tudo
se encaminhava para um inevitável desfecho com a iminente ruptura até que as
mãos dele colaram no meu braço. O toque despertara algo que já conhecia embora
fosse incapaz de refutar o que traria. O vestido era somente um pano abnegado
pelos braços grossos. Os calcanhares em contato, as peles se comunicando. A
barba em cima do pescoço nu forçava a rendição. Aquele ogro maltrapido quase
farrapo possuía um mapa de suas zonas erógenas. De costas para ele, era
inevitável o beijo censurador de todas as ofensas anteriormente ditas. O
silêncio consumado entre ambos seria brutalmente quebrado pelos movimentos
incessantes de afagos e beijos calorosos. O vestido se deixava levar lentamente
como o desmoronamento da barreira entre ambos. A pergunta feita foi respondida
na troca de olhares. A minha boca pequena recebeu outra vez um caloroso beijo
seguido de um tapa na bochecha rosada. Rígido o seio nu apontava para cima
ambicionando a boca terna e a companhia da barba.
As
calças baixas arriadas eram seguradas pelo cinto. Deitada eu esperava-o como a
presa espreita o abate. A entrada rápida fez meus olhos revirarem. A respiração
ofegante e as unhas procurando cavoucar as costas eram a minha resposta.
Aflição e prazer. O balbucio de excitação escondido entre os olhos verdes
expressivos e os três sulcos da testa enrugada. Seu fôlego era magistral para
um homem mais velho. Puxara minhas pernas para os lados e entornara a encontrar
o clitóris que fora encontrado em poucos segundos. A enorme experiência
certamente fazia aquele exercício parecer fácil. As mãos percorriam os meus
seios. O latente encanto pelo meu corpo se transformava em uma violenta retribuição.
Ele entrava com tudo. Instantes de gozo e tudo voltava à realidade. Fazer sexo
com ele se baseava em picos de adrenalina como andar em uma montanha russa
formava somente por longas curvas. Nunca sabia o que sentia por mim. Não sabia
diferenciar seu amor e tesão. Era impossível responder se aquilo era um caso
marcado pela paixão ou uma futura história de amor. Ao menos, ele trepava bem.
Deitada
ao seu lado, acariciando seus cabelos despenteados meus olhos percorriam a
vastidão do mundo em que nos encontrávamos. Parecíamos longe de qualquer um e
qualquer coisa. Vi-me então no espelho. As roupas maltrapilhas no chão,
misturadas e quase que escondendo meu vestido. A expressão de prazer, do gozo, daquele
inefável acontecimento. Tornei a olhá-lo. Maltrapido como um farrapo. Vi-me novamente
em frangalhos. Farrapos.
*conto produzido para o Jornal Unicom.
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