Eu estava ali, com os pés fincados
no chão batido acompanhado pelo frio do minuano gaúcho característico da época
do ano. Bati os pés em um ato parecido com o dos cavalos, mas com a intenção de
me mexer, movimentar, espantar o frio. Mesmo assim, observava quase que imóvel
a paisagem. Fiquei ali ao lado da calçada, perto da grama recém-cortada um
tempo indeterminado. Meus olhos corriam procurando incansavelmente pelos
detalhes. Procurava por algo, mas não por um alvo. Não sei se estava apenas
olhando ou pensando, ou então, nem isso. Ainda que não houvesse nenhuma
explicação para estar lá, me mantive ali. Aquele horizonte não era novidade pra
mim, mas deixou-me assim, vagaroso. Minha visão percorria pelo campinho de cimento
quase tão rápido quanto os moleques da rua jogando. Atrás do campinho que, ficava
em uma parte elevada do terreno, tinha uma via de duas mãos. O asfalto era o
caminho de carros que passavam em alta velocidade. No fundo, lá no morro,
aquela imensidão verde recheada de casas espalhadas pelo monte como granulados
em bolo de chocolate.
No campo, meninos quase chegando a
fase adulta trocavam passes, chutavam a bola sem nenhum comprometimento, apenas
pela diversão. Sorriam sem o peso da pobreza aparente em suas roupas. A testa
suada do de vermelho, o de branco escorado na goleira, o goleiro fora de
posição; tudo invertido, tudo ao contrário. Eu desejava estar ali. Quase nunca
batia uma bola, foram poucas vezes durante a infância que joguei na rua com o
pessoal. Pelada na rua é quase como a vida: as regras são ditadas pelo maior
número de pessoas, se não gostou ou não agradou, banco. Falta nem existe, impedimento
também não. Quase tudo vale, até anoitecer e o céu dar lugar ao breu. Todos
esperam ansiosamente que isso não ocorra, que o Sol prevaleça. Nem tudo é um
mar de rosas e uma hora o carnaval tem seu fim, o dono da bola tem a orelha
puxada pela sua mãe que exige a volta para a casa do filho. Os outros
inconformados vão junto, deixando comentários sobre a partida durante o
trajeto, lembrando gols e dribles ao deitarem na cama. Muitos ali sonham em serem
jogadores de futebol, assim como aqueles que um dia jogaram partidas de ruas.
Me deparei sentindo saudades da infância que batia na minha porta e procurava
entrar pela janela. Ela trazia consigo uma mala de tristeza e vazio, vazio do
encerramento de etapas.
Triste isso. Uma hora a idade adulta
chega, sem mais nem menos, quase sorrateiramente, sem procurar a campainha.
Ainda era um privilegiado, algumas crianças começam nessa vida muito cedo.
Certo sentimento de resignação me vinha a mente, era necessário aceitar.
Galeano já dizia que é preciso perderse para volver a encontrarse, mesmo que, em 23 anos de idade
nunca tivesse algum resquício de pensamento sobre o assunto. Os olhos voltavam
ao morro verde, vigiando as luzes dos chalés. Um grito o lembra da realidade,
como um despertar.
- Ô tio, manda a bola aí.
Peguei-a me sentindo como Roberto
Carlos na hora de cobrar uma falta, mas bati como Júnior Baiano. Se você não sabe quem é Júnior Baiano, nem perca tempo, era um péssimo zagueiro, tão ruim quanto eu. O que nos diferia a estatura; ele um negro alto e eu magrelo baixinho. As risadas
deslocavam-se juntamente a bola que passou longe do pessoal. Respondi com um “desculpa”
envergonhado e finalmente volvei a caminhar. Era um zero a esquerda no futebol
desde pequeno, nunca gostei muito, porém como bom brasileiro, você precisa jogar bem futebol ou ouvir samba, escolhi o futebol. O que me fazia jogar era a adrenalina, os
olhares tensos, os movimentos rápidos, observar as reações. Uma ciência para
alguns, arte para outros, eu, o público. Olhei pra trás enquanto dava passos
pela calçada esburacada da esplanada. Nunca seria como aqueles meninos, nunca
mais teria a chance de dar uns chutes, mesmo que tortos.
Confira também no Raplogia: Magna Carter revolucionário em partes
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