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Projeto de escritor. To sempre de malas prontas pra lugar nenhum por que até hoje não achei casa alguma dentro de mim. (Pra saber mais, clique ali em Quem eu sou, à direita)

domingo, 28 de julho de 2013

Saudade


Inquietude latente dançando no compasso do descompasso. A melodia de uma saudade enclausurada me cega da luz radiante. Acordei após uma embriagada noite de paixão, murmuro por perdão para a saudade torturante me libertar. Como dói descer a ladeira de sentimentos e tocar a campainha da melancolia. O seu encontro sempre deixa rastros. Se existe algo que aprendi com essa menina é sobre a dor. E ela, como uma grande criação é dotada aflição. Apesar de seu pesar, é dela que se transforma em uma obra de arte. Jovem como o vento que surrupia a censura imposta pelas saias longas. Jovem e cansada de correr. Jovem e carregada de dissabor. Ontem o dia não foi fácil, como qualquer dia da vida essa ninfeta. Seu cotidiano maçante lhe é empregado sem delongas.
Hoje também é árduo. Trilhar o obscuro caminho esburacado do incerto sempre causa alguns tropeços. Os olhos movem-se através dos óculos que procuram a precisão na estrada do breu acompanhada pelo insolúvel pavor que brota nos pés. A frouxidão das pernas é escancarada pelo caminhar vago e demorado. Se havia compreendido algo em sua vida é de que estamos acordando continuamente de sonhos que demoram a se concretizar. A imaginação se dá por horas, o despertar ocorre em segundos. O que fazer então quando não há o antecessor?  O que fazer quando o sono não vem? A madrugada se torna a mãe acolhedora que passa em todos os leitos do mundo, sussurrando o silêncio, retribuindo o barulho moribundo do eco de pensamentos densos, aglutinados, porém dispersos, desleixados, mas bem nutridos.
As olheiras se tornam barcos e os olhos navegantes a se aventurar pelo que a noite reserva. Tudo e nada não bastam. Tudo ainda é pouco, nada é um pouco de tudo. Nesse minuano carregado de trovoadas encobertas de reflexão, no meio do olho do furação, dentro do redemoinho que faz a cabeça dar giros, traz a tona os medos mais íntimos, das entradas da inocente infância, das entranhas do aconchego materno. Caso em suma, o proposito seja se perder então, objetivo concluído. Uma boa noite de sono faz toda diferença. O devaneio causado pela insônia procura a cura de hematomas antigos. As fachadas de cada machucado são abertos em vão. Esse fogo morto dentro de mim, essa natureza mortífera que é o cérebro e seus agentes, os pensamentos, conseguiram o golpe do ano. Parte de mim foi assassinada. O objetivo talvez fosse apenas a morte de meu sono, mas ao levantar das cortinas, ao ver o sol se por, senti falta do meu ânimo para recomeçar o dia, da vida que estava aqui e foi tirada sem avisos, nem bilhetes. Tirada de mim, sorrateiramente. Beliscando as paredes do meu consciente, embora sorridente, somente tivesse a tristeza sem fim.

domingo, 21 de julho de 2013

Amanhã

            Ao que ainda me recordo meu nome é Carlos. Ando meio zonzo pelos choques que me deram. Estou surdo da orelha esquerda, embora ouça muito bem os murmúrios de esperança do povo e da tentativa silenciosa de cala-lo. Tenho 27 anos bem vividos, dentre eles, 5 pelo Aliança Nacional Libertadora. Meus cabelos crespos hoje estão cortados. Devem estar no chão de qualquer DOI-Codi. As marcas pelo meu corpo são eternas, assim como a chama que floresce a cada pancada. Murros e chutes são comuns nesse nordestino. Sou cabra macho, resisti a quatro interrogatórios daqueles assassinos. Traidores da pátria, estão enganando a si mesmos, defendendo aqueles que ao virar as costas irão fuzila-lo.
            Não sei bem o que houve com Adrian, Lauro ou Helvécio. Não tenho nenhum resquício de notícias de minha menina, Marjorie. Ela me entregou, assim como tantos outros companheiros que se renderam. Não os lamento, cada um tem seu limite. A luta armada continua por trás dessas grades. Os lírios de nossos campos não tem o mesmo brilho. As flores de nosso querido país são regadas a ódio e sangue. As cores de nossa bandeira estão se esvaindo, assim como as minhas esperanças de sobreviver aqui neste lugar. Se não fosse minha orientação cristã, teria já praticado o suicídio. É o que mais me passa pela cabeça, porém não tenho nenhum instrumento a não ser essa arma apontada a minha cabeça.
            Estou em um cubículo escuro. Me acostumei a lugares pequenos e fechados desde os tempos de Grêmios Estudantis. Não me é concedido o cigarro. O lugar é fétido, cheira a azedume com que sou tratado. Há uma doce angústia que paira no ar neste fosso. Fezes estão por todos os lados como se estivesse em uma gaiola. Os excrementos me fazem companhia, e para os militares, sou um parente próximo deles para ficar tão perto assim. Converso com minhas cicatrizes, elas me dizem para resistir. Os hematomas dão cor ao corpo branco. O sangue se concentra em minha boca, nos ferimentos. São enormes coágulos e alguns edemas nas costas e braços oriundos das agressões que sofri. Meus pensamentos procuram me confortar, dar uma palavra amiga. Minha cabeça dói e quase me impede de pensar, mas nem as dores nem a reclusão me evitam de acreditar que este é um pesadelo ao qual um dia vou acordar.
            Tento ser otimista. Marighella estaria orgulhoso de mim. Estaria,  se não estivesse morto. Nosso mais nobre companheiro foi pego em meio à batalha. Tiros o tiraram da luta, embora nossos irmãos ainda lutem por ele e pelo nosso Brasil. Liberdade a qualquer custo como o próprio Carlos dizia. Não tenho seus livros aqui, minha rotina são os espancamentos e a horrível alimentação. Mijam no arroz e misturam com carne de terceira. Isso quando tem carne. Não me lembro quantas refeições fiz até agora, mas sinto meu estômago roncar cada vez menos. Ele está se acostumando a se alimentar da angústia e da tristeza latente em meu olhar.  Estes traumas pra sempre irão me aprisionar. A ditadura conseguiu enclausurar o principal: o nosso consciente, mas mais do que isso, o consciente coletivo.
    Estou tentando me agarrar ao que posso, embora no momento minhas contas estejam atrasando e toda minha poupança tenha sido revirada. Como foi meu apartamento quando me encontraram. Tudo quebrado, livros revirados, móveis destruídos. Felizes são os exilados. Felizes são os ignorantes, os inertes ao que está acontecendo. Felizes são as crianças e inocentes que não veem o ocorrido. Perdão e misericórdia. Não para mim, mas para as mulheres estupradas e aos futuros filhos da ditadura. Misericórdia aos que se entregaram e aqueles que fingem não ver. Perdão aos amaldiçoados sem alma que ao defender o país dos “terroristas”, estão trazendo apenas o regresso de volta. Orwell previu isso, mas não previu o amanhã. Não sei o que será de mim amanhã. Nem mesmo o que acontecerá com minha pátria verde e amarela. Tento me confortar com a poesia de Chico. “Amanhã vai ser outro dia / Amanhã vai ser outro dia”. Eu espero que Chico esteja certo.


 … queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não exista força humana alguma que esta paixão embriagadora dome. E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome
— LIBERDADE, Carlos Marighella

domingo, 14 de julho de 2013

Arte

                Às vezes eu desenho. Antes de iniciar na literatura, o desenho era a minha forma de expressão. Desenho desde os 4 anos. Confira a minha participação na Unisc TV e algumas das ilustrações feitas por mim. (basta clicar nas imagens para ficarem mais visíveis)





domingo, 7 de julho de 2013

Esplanada

            Eu estava ali, com os pés fincados no chão batido acompanhado pelo frio do minuano gaúcho característico da época do ano. Bati os pés em um ato parecido com o dos cavalos, mas com a intenção de me mexer, movimentar, espantar o frio. Mesmo assim, observava quase que imóvel a paisagem. Fiquei ali ao lado da calçada, perto da grama recém-cortada um tempo indeterminado. Meus olhos corriam procurando incansavelmente pelos detalhes. Procurava por algo, mas não por um alvo. Não sei se estava apenas olhando ou pensando, ou então, nem isso. Ainda que não houvesse nenhuma explicação para estar lá, me mantive ali. Aquele horizonte não era novidade pra mim, mas deixou-me assim, vagaroso. Minha visão percorria pelo campinho de cimento quase tão rápido quanto os moleques da rua jogando. Atrás do campinho que, ficava em uma parte elevada do terreno, tinha uma via de duas mãos. O asfalto era o caminho de carros que passavam em alta velocidade. No fundo, lá no morro, aquela imensidão verde recheada de casas espalhadas pelo monte como granulados em bolo de chocolate.
            No campo, meninos quase chegando a fase adulta trocavam passes, chutavam a bola sem nenhum comprometimento, apenas pela diversão. Sorriam sem o peso da pobreza aparente em suas roupas. A testa suada do de vermelho, o de branco escorado na goleira, o goleiro fora de posição; tudo invertido, tudo ao contrário. Eu desejava estar ali. Quase nunca batia uma bola, foram poucas vezes durante a infância que joguei na rua com o pessoal. Pelada na rua é quase como a vida: as regras são ditadas pelo maior número de pessoas, se não gostou ou não agradou, banco. Falta nem existe, impedimento também não. Quase tudo vale, até anoitecer e o céu dar lugar ao breu. Todos esperam ansiosamente que isso não ocorra, que o Sol prevaleça. Nem tudo é um mar de rosas e uma hora o carnaval tem seu fim, o dono da bola tem a orelha puxada pela sua mãe que exige a volta para a casa do filho. Os outros inconformados vão junto, deixando comentários sobre a partida durante o trajeto, lembrando gols e dribles ao deitarem na cama. Muitos ali sonham em serem jogadores de futebol, assim como aqueles que um dia jogaram partidas de ruas. Me deparei sentindo saudades da infância que batia na minha porta e procurava entrar pela janela. Ela trazia consigo uma mala de tristeza e vazio, vazio do encerramento de etapas.
         Triste isso. Uma hora a idade adulta chega, sem mais nem menos, quase sorrateiramente, sem procurar a campainha. Ainda era um privilegiado, algumas crianças começam nessa vida muito cedo. Certo sentimento de resignação me vinha a mente, era necessário aceitar. Galeano já dizia que é preciso perderse para volver a encontrarse, mesmo que, em 23 anos de idade nunca tivesse algum resquício de pensamento sobre o assunto. Os olhos voltavam ao morro verde, vigiando as luzes dos chalés. Um grito o lembra da realidade, como um despertar.
            - Ô tio, manda a bola aí.
         Peguei-a me sentindo como Roberto Carlos na hora de cobrar uma falta, mas bati como Júnior Baiano. Se você não sabe quem é Júnior Baiano, nem perca tempo, era um péssimo zagueiro, tão ruim quanto eu. O que nos diferia a estatura; ele um negro alto e eu magrelo baixinho. As risadas deslocavam-se juntamente a bola que passou longe do pessoal. Respondi com um “desculpa” envergonhado e finalmente volvei a caminhar. Era um zero a esquerda no futebol desde pequeno, nunca gostei muito, porém  como bom brasileiro, você precisa jogar bem futebol ou ouvir samba, escolhi o futebol. O que me fazia jogar era a adrenalina, os olhares tensos, os movimentos rápidos, observar as reações. Uma ciência para alguns, arte para outros, eu, o público. Olhei pra trás enquanto dava passos pela calçada esburacada da esplanada. Nunca seria como aqueles meninos, nunca mais teria a chance de dar uns chutes, mesmo que tortos.


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